domingo, 29 de outubro de 2017

Histórias das lutas na cidade de Rio Claro (3): representatividade mundial, consolidação e diversificação das práticas.

Histories of the fights in the city of Rio Claro (3): world representativity, consolidation and diversification of practices

Fernando Paulo Rosa de Freitas (Mestre em Ciências da Motricidade Humana – UNESP – Rio Claro. Professor de Educação Física da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail: fer_edfis@hotmail.com).

Resumo: Esta é a terceira parte de um artigo que trata do processo histórico das lutas ocorrido na cidade de Rio Claro, estado de São Paulo, Brasil. As informações contidas nesse trabalho são resultado de pesquisa bibliográfica e entrevistas com pessoas que têm ou que tiveram relação com as lutas e artes marciais durante suas vidas. Tem como objetivo preservar e divulgar essas informações de maneira geral e, em especial, subsidiar o ensino das lutas nas escolas.
Palavras-chave: Lutas; História; Cidade de Rio Claro.

Abstract: This is the third part of an article that discusses the historical process of the fights occurred in the city of Rio Claro, São Paulo, Brazil. The information contained in this work is the outcome of bibliographic research and interviews with people who have or who have had relationship with the fights and martial arts during their lives. It aims to preserve and disseminate this information in general and, in particular, support the teaching of fights in schools.
Keywords: Fights; History; Rio Claro City.

Resumen: Esta es la tercera parte de un artículo que analiza el proceso histórico de las luchas que tuvieron lugar en la ciudad de Río Claro, Sao Paulo, Brasil. La información contenida en este trabajo es el resultado de investigación bibliográfica y entrevistas con personas que tienen o que han tenido relación con las luchas y artes marciales durante sus vidas. Su objetivo es preservar y difundir esta información en general y, en particular, apoyar la enseñanza de las luchas en las escuelas.
Palabras clave: Luchas; Historia; Ciudad de Río Claro.


A luta de braço e o jiu-jitsu moderno: dos primeiros campeões mundiais, das mulheres e da importação e exportação de profissionais

A prática do “halterofilismo” sempre acompanhou a das lutas na cidade de Rio Claro. Apesar de muitos dos antigos acreditarem que o treino com pesos “travava” o lutador, alguns atletas já se utilizavam desse recurso para melhorar seu rendimento esportivo entre as décadas de 1950 e 1960. Como já mencionado no artigo anterior, antes de montar a primeira academia de lutas na cidade, professor Uadi Mubarack já treinava levantamento de pesos, tendo vencido um campeonato estadual. Talvez por essa razão a academia Gonçalves-Mubarack sempre manteve um espaço destinado a musculação.
 Nas tradicionais academias da cidade que se dedicaram exclusivamente ao “halterofilismo”, era comum o fato de acontecerem desafios de força, como, por exemplo, disputas de levantamentos, ou, quem vencia um “braço de ferro” ou “queda de braço”. Foi dessa brincadeira, depois transformada em esporte, que saiu o primeiro campeão mundial em uma modalidade de luta em Rio Claro: Waldemar Bíscaro, campeão mundial de “ArmWrestling” ou “Luta de Braço”, no ano de 1980, em Calcutá - Índia, categoria até 90 quilos. Waldemar Bíscaro, na verdade, foi o primeiro brasileiro a conquistar um título de campeão mundial nessa modalidade, juntamente com Roger Pareja, campeão na categoria até 100 quilos.


Figura 1: A equipe brasileira de luta de braço em Calcutá. Waldemar Bíscaro, ajoelhado, de blusa verde.

A conquista de Waldemar Bíscaro em 1980 lhe trouxe fama na cidade, especialmente, depois de ser entrevistado no programa de auditório de Flávio Cavalcanti. Essa conquista também incentivou o desenvolvimento da modalidade da luta de braço na cidade de Rio Claro, que revelou outros medalhistas em campeonatos mundias: Jose Mario Orsi, Aparecido “Cidão” Santos e, Paulo César Silva, o “Paulão”, um gigante que jogou basquete pelo time da cidade e pela seleção nacional. Posteriormente, “Paulão” se tornou mundialmente conhecido pelo apelido de “Giant Silva”, ao participar de eventos de Pro-Wrestling e MMA. Conquistas estaduais e nacionais por esses e outros atletas, então, foram muitas. A Academia Apolo, de Waldemar Bíscaro, acabou se transformando em um centro regional da luta de braço, recebendo aficionados de outras cidades para treinos e, invariavelmente, para algum desafio. Esse sucesso da modalidade fez com que a organização dos Jogos Abertos do Interior de 1986, sediados em Rio Claro, escolhesse a Luta de Braço como uma das modalidades extras desse evento. Esse torneio acabou marcado por alguns acidentes, como fraturas de braços. A equipe de Rio Claro, como se esperava, sagrou-se campeã.
A conquista do campeonato mundial em 1980, no entanto, somente aconteceu depois de muitos anos de esforço e superação. Waldemar Bíscaro lembra que, antes que tivesse ouvido falar do professor Uadi Mubarack e de sua academia, “[...] até mesmo os caras que faziam musculação faziam escondido, porque havia muito preconceito. Diziam que quem treinava não crescia, quem treinava era “veado”, e por aí afora”. Explica como eram esses treinos: “[...] Eu comecei a treinar em fundo de quintal, na casa do “Guido”, meu amigo. Era mais peso mesmo (anilhas, barras e halteres). Não tinha banco, não tinha aparelho, não tinha nada. Pegava um método de revista e fazia”. Partindo do sucesso de sua carreira esportiva, Waldemar Bíscaro organizou diversos campeonatos de luta de braço, fisiculturismo e de levantamentos em Rio Claro. Nessas modalidades também ajudou a formar diversos campeões nacionais e mundiais.
Tratando um pouco mais sobre a relação do treino de “halteres” com as lutas, diríamos que, se a Academia Gonçalves-Mubarack de Judô sempre manteve um espaço para o levantamento de pesos, a Academia Apolo, por sua vez, sempre manteve dois pares de luvas de boxe para quem quisesse se aventurar em algum desafio que não fosse os de força. Esses desafios, na maioria das vezes, acabavam virando briga, para a diversão dos presentes. Era uma coisa bruta, como afirma Waldemar Bíscaro: “[...] Um dia, um cara entrou na academia e desafiou justo o “Vartão” (Valter Fernandes, ex-campeão estadual de fisiculturismo). Ai o “Vartão”, que era muito forte, colocou uma luva de dez onças e perguntou o que deveria fazer. Eu falei: para você não errar o golpe, bate no meio do peito. O “Vartão” deu um murro no peito dele que o jogou no meio das barras. Daí esse cara vazou embora”.
Waldemar Biscaro (que já havia treinado boxe na época em que serviu o exército no Rio de Janeiro) e “Vartão” devem ter sido os primeiros rio-clarenses a disputar uma luta de boxe na cidade: “[...] Na década de 1970, eu com o “Vartão” começamos a treinar boxe e lutamos contra a equipe do Nacional aqui em Rio Claro. Isso foi em 1972, acho. Foi durante a realização de uma feira, acho que a primeira FACIRC (Feira do Comércio e da Indústria de Rio Claro), ali no terreno que fica do lado do campo do Rio Claro, que a prefeitura montou um ringue. Veio o “Luizão Jurado” que já treinava boxe e que era de São Paulo para lutar pela gente. O Luizão acabou vencendo e nós dois perdemos nossas lutas”.
A Academia Apolo, além dos treinos, dos campeonatos e, dos desafios, marcou a passagem dos inúmeros frequentadores pelas constantes brincadeiras, muitas delas, tão brutas quanto os próprios treinos. Essas brincadeiras, por fim, acabaram por desenvolver a identidade e a simpatia que muitos guardam por essa academia e por Waldemar Bíscaro. Muitos de seus frequentadores, mesmo treinando em outros lugares, voltam a tradicional academia para rever os amigos e relembrar essas inúmeras histórias. Em se tratando de treinamento, a Academia Apolo sempre se configurou como um local destinado a quem procura treinar pesado. Tradicionalmente, também, sempre foi um espaço predominantemente masculino.
Sobre a participação das mulheres nas academias e nas disputas de luta de braço Waldemar Biscaro esclarece: “[...] A mulher do Dr. Laércio Martinez, de Campinas, a Aparecida (Maria Aparecida Martinez), já participava de competições de luta de braço, assim como a “Paquita” (Maria Aparecida Collis Jorge), mulher do Hughes Jorge [1]. No interior do estado as mulheres participavam pouco das academias. Nos grandes centros, como Campinas e São Paulo, já tinham mulheres que participavam. Depois de bastante tempo, algumas meninas da equipe de judô feminino do professor Uadi começaram a disputar, junto com a gente, das competições de luta de braço”.
Depois da luta de braço, a próxima modalidade de lutas a revelar campeões com resultados em nível mundial foi o jiu-jitsu. Embora tenha sido esta a primeira modalidade de luta a ser praticada na cidade, o jiu-jitsu trazido por João Gonçalves Filho, na década de 1950, acabou entrando em declínio e dando lugar ao judô. O jiu-jitsu só voltou a ser oferecido nas academias da cidade a partir da dos desafios de vale-tudo que ocorreram início da década de 1990. No estado de São Paulo esse tipo de espetáculo começou a reaparecer nas mídias no ano de 1992, com o Desafio Gracie de Vale-Tudo, realizado no Ginásio do Ibirapuera. Este evento colocou em confronto lutadores de jiu-jitsu contra lutadores de full-contact, a fim de estabelecer qual era a luta mais efetiva em um combate sem (ou, quase sem) regras.
Nesse mesmo evento, Geraldo Pedra, vice-campeão mundial de kung-fu (wushu) representou o time do full-contact. Esse atleta havia se estabelecido na cidade de Rio Claro há pouco tempo, onde passou a ensinar sua arte marcial e, com quem tivemos certo contato. Lembrança de uma conversa informal, quando Geraldo Pedra nos contou sobre esse desafio, dizendo que iria enfrentar “um tal” de Gracie. Imaginamos, na época, ser esta uma empreitada perigosa, dado que já conhecíamos a fama daqueles lutadores por meio de um antigo álbum de recortes, apresentado por um professor de judô (Denílson Rivail Olmo, faixa-preta de judô). Com a luta já marcada e, sem nenhuma informação que o pudesse ajudar, nos limitamos a alertar para ter cuidado com essa luta. Naquela época não se tinha muita informação sobre esse tipo de desafio e sobre as técnicas empregadas, dado que: o jiu-jitsu e o vale-tudo estavam mais centralizados no estado do Rio de Janeiro; os praticantes que revelassem os segredos dessa arte marcial eram considerados traidores (“creontes”) e; ainda não existiam muitos dos meios de informação atual, especialmente, a internet. O desconhecimento dessas técnicas pela maioria das pessoas fica patente ao se rever os vídeos remanescentes dessa disputa. Fernando Solera, que comandou a transmissão desse “vale-tudo” pela Rede Gazeta, não conhecia muitos termos técnicos que o ajudassem a entender o que se passava [2]. Há de se levar em conta, também, que a primeira edição do UFC (Ultimate Fighting Championship), evento que popularizou esse tipo de espetáculo pelo mundo, só ocorreria um ano mais tarde.
A fama do jiu-jitsu dos Gracie, por sua vez, fez com que as academias Pessoa e Gonçalves-Mubarack retomassem a prática do jiu-jitsu. Voltaram a trabalhar com o judô e o jiu-jitsu simultaneamente. A Associação Gonçalves-Mubarack funcionou assim até seu fechamento, ocorrido alguns anos após o falecimento do sensei Uadi Mubarack. A Academia Pessoa, por sua vez, se filiou ao Mestre Orlando Saraiva e trabalha com as duas modalidades até os dias atuais.
Há de se abrir parênteses aqui para tratar das primeiras lutadoras da cidade. As pioneiras, nesse caso, foram as irmãs Solange, Soraia e Simone Pessoa, que se destacaram em competições de judô a partir do ano de 1979. Soraia Pessoa Vieira conta-nos que começou a treinar com quatro anos de idade, assim como suas irmãs. Fala dos preconceitos de uma época em que até correr pelas ruas da cidade não era coisa comum de se ver, quanto mais, mulheres treinarem um tipo de luta. Em relação a esse tipo de preconceito, afirma que até algumas pessoas de sua família acreditavam que a prática das lutas não era coisa boa para meninas.
Ao questionarmos as mulheres participantes dessa pesquisa sobre as contribuições que a prática das lutas trouxe para suas vidas, Soraia Pessoa Vieira menciona a disciplina, a preocupação com a manutenção de uma vida saudável por meio da prática de exercícios físicos e sentimentos de confiança e de força proporcionados pelo treino do judô. Sua irmã, Simone, menciona essas mesmas qualidades. Em relação à segurança afirma que: “[...] o treino (de lutas) dá autoconfiança, mas o medo permanece. Assalto e estupro continuam, mas podem levar o dinheiro, a dignidade jamais”. Falando mais sobre a segurança proporcionada pelo treino de lutas, Priscila Matheus Encinas reforça a percepção das irmãs Pessoa afirmando que: “[...] por ser lutadora, não que não tenha medo, mas me sinto mais segura para lidar com situações de estresse, sabendo que posso fazer coisas que outras mulheres não fazem”. Sendo professora de Educação Física escolar, afirma ainda que: “[...] Nunca precisei brigar, mas, não tenho receio de apartar uma briga de alunos se for preciso”. Observa ainda que, por ter sido lutadora de judô, tem facilidade para ensinar esse conteúdo na escola, a despeito da falta de materiais e espaços adequados: “[...] Em uma das escolas em que leciono não temos tatame, nem colchonetes, nem mesmo um gramado, o que poderia ajudar a dar uma aula de judô. Pensando na segurança dos alunos, acabo não desenvolvendo esse conteúdo como gostaria. Faço apenas uma introdução da parte em pé do judô. Fico mais nos conceitos que nos procedimentos e, faço a transposição para outras lutas que não precisam de espaços específicos, como o uka-uka”. Menciona ainda que a prática das lutas lhe ajudou a entender o processo de ensino. Afirma ainda que concorda que o objetivo do ensino das lutas na escola deva ser divulgar essa parte da cultura corporal e tem restrições ao ensino das lutas nesse ambiente com outros objetivos, como a defesa pessoal: “[...] Prefiro não arriscar, a não ser para os mais velhos e, mais pelo lado das atitudes”. Tal posicionamento encontra paralelo em um trabalho anterior dessa autoria, que trata do ensino do karatê na escola (Freitas, 2013, p.47).
Voltando a questão do ressurgimento do jiu-jitsu na cidade, além das academias de judô que voltaram a oferecer essa modalidade, professores vindos de outros estados começaram a chegar a Rio Claro, com destaque para Leonardo Santos e Ramon Lemos, vindos do Rio de Janeiro, no ano de 2000. Depois de um tempo esses lutadores/professores se uniram para dar aulas na mesma academia, até que “Leo” Santos retornou para o Rio de Janeiro para se dedicar a carreira de lutador de MMA (Mixed Martial Arts), lutando, atualmente, no UFC. Ramon Lemos, por sua vez, permaneceu na cidade e formou diversos campeões, com destaque para os irmãos Rafael e Guilherme Mendes. Devido a esse grande sucesso, foi contratado para trabalhar como treinador de grandes lutadores do UFC, como, Rodrigo “Minotauro” Nogueira e Anderson Silva. Atualmente é head coach de um projeto de jiu-jitsu em Abu Dhabi.
Assim como aconteceu com a luta de braço e com a academia de Waldemar Bíscaro, o sucesso dos lutadores treinados por Ramon Lemos acabou atraindo a atenção. Muitos lutadores de renome no jiu-jitsu vieram treinar em Rio Claro, como, Claudio Calasans, Gilbert “Durinho” Burns, Rodrigo Caporal, Gustavo “Guto” Campos, Bruno Frazatto, Ary Farias, entre outros. Esse agrupamento de lutadores de nível mundial fez com que, na época, a Academia Ramon Lemos recebesse o apelido de “caldeirão”, sendo normal que fosse visitada por lutadores de outros locais do Brasil ou do exterior. Vinham à cidade, muitas vezes, só para conhecer seus campeões, tirar algumas fotos e participar de um treino. Se esse sucesso teve o mérito de formar e de atrair um grande número de campeões à cidade, era de se esperar que, em um dado momento, acabasse se desfazendo: em um espaço restrito economicamente, cada um procurou seu próprio caminho, fazendo com que a cidade passasse de importadora a exportadora de profissionais do ensino e do treinamento das lutas. Destacamos alguns exemplos: Abmar Barbosa foi o primeiro a se mudar para os E.U.A.; Gilbert Burns (“Durinho”) foi convidado para treinar com Vitor Belfort, ex-campeão do UFC; Leandro Brassoloto e Rodrigo Caporal chegaram a ensinar o jiu-jitsu em países como a Bélgica e China, entre tantos outros.
Em se tratando do sucesso esportivo e profissional alcançado pelos lutadores e professores de jiu-jitsu da cidade de Rio Claro, vale destacar a família Mendes. Incentivados a treinar desde crianças por seu primo mais velho, Thiago Mendes, os irmãos Rafael e Guilherme conquistaram diversos títulos mundiais.
Thiago Mendes passou a ser o responsável pela parte física do treinamento de seus primos, se dedicando aos estudos e se especializando no treinamento funcional de lutadores e fitness. Ministra aulas em sua academia, a Octane Studio Personal, em Rio Claro. Já seus primos, Rafael e Guilherme, passaram a ministrar seminários pelo mundo afora, sendo convidados a dar aulas particulares para o Sheik Tahnoon, de Abu Dhabi. Entusiasta dessa arte marcial, Sheik Tahnoon contratou diversos professores brasileiros para ensinar o jiu-jitsu em seu país, trabalho agora supervisionado por Ramon Lemos. Por influência de Sheik Tahnoon, Abu Dhabi organiza um torneio mundial de luta agarrada, o ADCC (Abu Dhabi Combat Championship), do qual os irmãos Mendes conquistaram diversos títulos.


Figura 2: Da direita para a esquerda: Rafael, Thiago e Guilherme Mendes

Em termos profissionais os irmãos Mendes também têm demonstrado talento e maturidade: fizeram economias a partir dos seminários ministrados e dos prêmios conquistados em lutas profissionais e montaram sua própria academia, a Art Of Jiu-Jitsu, em Tabla Mesa, Califórnia. Com pouco tempo de trabalho, esta já foi considerada uma das dez academias de jiu-jitsu mais bonitas do mundo por um site especializado (Muito..., 2015).  O funcionamento dessa academia é explicado pelos irmãos Mendes: “[...] eu (Rafael Mendes) e meu irmão (Guilherme Mendes) somos os head coaches da academia e temos outros sete professores. São mais de setenta aulas por semana. Só de aulas para criança são sete por dia, em dois tatames. Não temos horários em que os tatames ficam vazios. Filmamos todas as aulas da academia e colocamos em um website e, este é outro negócio. Para você acessar esse website você precisa pagar uma mensalidade. É uma coisa que deu certo, porque, muitas pessoas de outros países que querem aprender nossas técnicas, não podem estar presentes. Então elas assistem à mesma aula que estamos desenvolvendo na academia. Dentro do jiu-jitsu conseguimos agregar diversos trabalhos”.

O estabelecimento do boxe e de outras modalidades de lutas na cidade

Além do jiu-jitsu, do judô, do karatê e da luta de braço, outras modalidades de lutas começaram a se estabelecer na cidade de Rio Claro a partir da década de 1990 e início dos anos 2000. O boxe só veio a se estabelecer na cidade a partir do ano de 2003. Depois de participações esporádicas de rio-clarenses em lutas de boxe nas décadas de 1970 e 1980, com a mudança da família Macedo para Rio Claro o boxe começou a tomar um rumo definitivo e diferenciado. Marcos Macedo, o patriarca da família, foi um dos precursores do boxe feminino no Brasil e, juntamente com seus filhos, Breno e Leonardo, figuram entre os primeiros incentivadores do boxe nas categorias menores. Os irmãos Macedo, além de terem conquistado diversos torneios amadores, também ajudaram a formar, junto com seu pai, diversos lutadores e lutadoras de nível nacional e continental. Trabalham com o boxe em diferentes perspectivas: competição, condicionamento físico e ação social. Na perspectiva social desenvolvem o ensino do boxe em bairros periféricos da cidade, como Guanabara e Bonsucesso. Têm como objetivo oferecer uma oportunidade aos jovens carentes, a fim de afastá-los do crime e do vício.
Outras modalidades de lutas e artes marciais como o kung-fu (wushú ou boxe chinês), o tae-kwon-do, o krav magá, o boxe tailandês, entre outras, estão sendo desenvolvidas na cidade de Rio Claro por professores nativos ou vindos de fora. Essa variedade de lutas e as diferentes formas e objetivos com que são desenvolvidas oferecem um leque de alternativas para as pessoas que querem, por meio de seu treinamento, melhorar seu condicionamento físico, se tornar um lutador amador ou profissional, aprender uma forma de defesa pessoal, entre outros. Não é mais necessário, como já foi um dia, viajar para aprender essas modalidades.
Além das academias, as escolas públicas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo têm ajudado a disseminar o conhecimento das lutas entre a população rio-clarense. O currículo oficial do estado relaciona cinco modalidades de lutas para serem abordadas nas aulas de Educação Física, a saber: o judô (4º bimestre / 7º ano); o karatê (1º bimestre / 8º ano); a capoeira (1º bimestre / 9º ano); a esgrima (4ºbimestre / 1ª série) e; o boxe (1º bimestre /3ª série). Com objetivos diferenciados, sem contar com os espaços e materiais específicos, ministradas por professores não especialistas e, dividindo o pouco tempo disponível com outros conteúdos, é de se esperar que o ensino das lutas nas escolas fique bastante restrito. Por outro lado, possibilita que um maior número de pessoas conheçam alguns aspectos dessa parte da cultura corporal. No que se refere ao trabalho dos professores, estes podem explorar o ensino das diferentes modalidades de lutas por meio de conceitos, práticas e atitudes.

Conclusões

Uma das primeiras constatações ao iniciar os trabalhos para essa pesquisa foi que, às vezes, é mais fácil encontrar fatos históricos longínquos do que recentes. Estes últimos estão guardados, muitas vezes, apenas na memória das pessoas que os viveram ou presenciaram. Foi comum ouvir dos entrevistados que seria difícil encontrar pessoas remanescentes dos períodos em que aconteceram alguns dos fatos aqui relatados.
Embora se trate de uma pesquisa local, entendemos que a preservação da memória e da experiência das gerações é tema importante e merece maior atenção. Já em pesquisa anterior observamos que algumas informações sobre fatos e personagens brasileiros só puderem ser encontradas em sites internacionais (Freitas, 2009, p. 93).
Além de preservar essas histórias para o conhecimento do público em geral, a possibilidade de que os dados reunidos nessa pesquisa possam subsidiar o trabalho dos professores de Educação Física também foi considerada. Visa enriquecer a sugestão do Currículo Oficial do Estado de São Paulo para que se aborde o processo histórico das lutas no estudo de cada modalidade (Secretaria Estadual de Ensino, 2012, p. 240 e 244). Entendemos que as informações aqui reunidas, embora tratem de um período histórico recente, podem aproximar a história das lutas ao contexto e realidade de nossos alunos.
Precedendo essa pesquisa, outros projetos que envolvem a história dos esportes e das lutas vêm sendo desenvolvidos na Escola Estadual Prof. Odilon Corrêa, em Rio Claro, com diferentes objetivos e abordagens: ensinar uma prova atlética partindo de seus relatos históricos (Freitas, 2009); leitura compartilhada de texto produzido sobre a história do boxe, com alunos da 3ª série do Ensino Médio – (Freitas y Matthiesen, 2014); integrar a prática e o ensino da história dos lançamentos ao tema da força centrífuga (Freitas y Matthiesen, 2015) [3], além do registro e apresentação da história esportiva da própria escola para nossos alunos.
Espera-se que as informações aqui apresentadas enriqueçam a história das lutas disponibilizadas nos materiais pedagógicos do Estado. Em um próximo estágio dessa pesquisa pretende-se utilizar as informações aqui organizadas em conjunto com as histórias de vida dos alunos que se relacionam ao tema das lutas, a fim de desenvolver uma abordagem de ensino que melhor atenda suas necessidades e expectativas.
Sobre a preservação da memória das lutas na cidade de Rio Claro vale mencionar outra iniciativa: a realização do 1º Encontro de Shihans, promovido pelos professores Simone Pessoa e Vicente Paulo Kannebley Junior, no Clube de Campo de Rio Claro, em 2014. Teve como objetivo homenagear os lutadores e professores de judô que fizeram história na cidade.



Figura 3: Encontro de Shihans no Clube de Campo de Rio Claro (da esquerda para a direita: Lirio Generoso, Carlos Yabuki, “Bi”, Antonio Yabuki, Gerdi Pereira, Odagyl Pessoa, Fernando Tamaru, Simone Pessoa, Luiz Carlos Mubarack e Vicente Paulo Kannebley Junior).

Entre os temas das conversas que ocorreram nesse encontro, foram relembradas as histórias da mulher que lutava no circo, as aventuras, os personagens, os fatos cômicos e as recorrentes reclamações sobre antigas contusões. Percebeu-se a maneira amistosa como esses professores e lutadores tratavam de tais temas, rindo de si próprios e, sem qualquer traço remanescente de rivalidade. Nesse estágio da vida cada contemporâneo representava apenas um amigo que compartilhou das mesmas emoções de uma vida de e nas lutas. Que boas lições e histórias, além das aqui apresentadas, teriam essas e outras pessoas para compartilhar com os mais novos e, que privilégio poder apreciá-las.

Referências

Freitas, F. P. R. (2013). Caratê: possibilidades e observações ao Currículo Oficial do Estado de São Paulo. (Trabalho de Conclusão de Curso). Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas. Campinas.

Freitas, F. P. R. (2009). O salto com vara na escola: subsídios para o seu ensino a partir de uma perspectiva histórica. (Dissertação). Universidade Estadual Paulista. Rio Claro

Freitas, F. P. R., y Matthiesen, S. Q. Os filhos do seu Zé Roberto: memórias do boxe. EFdeportes. Recuperado el 07 de septiembre de 2016 de: http://www.efdeportes.com/efd190/seu-ze-roberto-memorias-do-boxe.htm

Freitas, F. P. R., y Matthiesen, S. Q. (2015). Sobre a força centrífuga nos lançamentos e as possíveis adaptações dos relatos históricos ao ensino escolar. En: Abstract Book of 19 International CESH Congress. Florença.

Muito mais ação jiu-jitsu. (2015). Conheça as dez academias de jiu-jitsu mais bonitas do mundo. Recuperado el 13 de deciembre de 2015 de: http://www.muitomaisacaojiujitsu.com.br/2015/03/as-10-academias-de-jiu-jitsu-mais-bonitas-do-mundo.html

Secretaria Estadual de Ensino (2012). Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens e Suas Tecnologias - Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio. São Paulo.




[1] Hughes Jorge e Dr. Laércio Jorge Martinez, de Campinas, foram pioneiros da luta de braço no Brasil. Suas respectivas esposas foram medalhistas da modalidade em campeonatos mundiais (Confederação Brasileira de Luta de Braço e Halterofilismo, 2015).
[2] Exemplo de vídeo disponível na internet: <https://www.youtube.com/watch?v=ogRLgS7ILn4>. Situação descrita aos 4.44 segundos.
[3] Projeto interdisciplinar desenvolvido na E.E. Prof. Odilon Corrêa, como alunos da 3ª série do Ensino Médio, durante o terceiro bimestre do ano letivo de 2015 e, posteriormente, apresentado no XIX Congresso Internacional do Comitê Europeu de História do Esporte, entre os dias 22 a 24 de outubro de 2015, em Florença, Itália.

Um comentário:

  1. Meu nome é Waldimir Luiz Rios Jr. tenho hoje 72 anos tive o Grande prazer de treinar iniciar no fisiculturismo com Waldemar Bíscaro, José Carlos o Leiteiro e o Esapetinho, bons tempos. Frequentei também por alguns anos academia Gonsalves/Mubarack juntamente com Uadi, Jose Carlos, Pexinho, Cottoni, Zeca, Odagil e o Amendoim o irmão mais novo dos Mubarak. Parabéns pelo trabalho me trouxe boas recordações.

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