Histórias
das lutas na cidade de Rio Claro (1): sobre as brigas, desafios nos circos e
motivações para lutar.
Histories of the fights in the city of Rio
Claro (1): about the street fights, challenges in circuses and motivations to
fight.
Fernando Paulo Rosa de Freitas (Mestre em
Ciências da Motricidade Humana – UNESP – Rio Claro. Professor de Educação
Física da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail:
fer_edfis@hotmail.com).
Resumo:
Esta é a primeira parte de um artigo que trata do processo histórico das lutas
ocorrido na cidade de Rio Claro, estado de São Paulo, Brasil. As informações
contidas nesse trabalho são resultado de pesquisa bibliográfica e entrevistas
com pessoas que têm ou que tiveram relação com as lutas e artes marciais
durante suas vidas. Tem como objetivo preservar e divulgar essas informações de
maneira geral e, em especial, subsidiar o ensino das lutas nas escolas.
Palavras-chave:
Lutas; História; Cidade de Rio Claro.
Abstract: This is the first part of an article that discusses
the historical process of the fights occurred in the city of Rio Claro, São
Paulo, Brazil. The information contained in this work is the outcome of
bibliographic research and interviews with people who have or who have had
relationship with the fights and martial arts during their lives. It aims to
preserve and disseminate this information in general and, in particular,
support the teaching of fights in schools.
Keywords: Fights; History; Rio Claro City.
Resumen: Esta
es la primera parte de un artículo que analiza el proceso histórico de las
luchas que tuvieron lugar en la ciudad de Río Claro, Sao Paulo, Brasil. La
información contenida en este trabajo es el resultado de investigación
bibliográfica y entrevistas con personas que tienen o que han tenido relación
con las luchas y artes marciales durante sus vidas. Su objetivo es preservar y
difundir esta información en general y, en particular, apoyar la enseñanza de
las luchas en las escuelas.
Palabras
clave: Luchas; Historia; Ciudad de Río Claro.
Introdução
A cidade de Rio Claro está situada na região
centro-oeste do Estado de São Paulo, Brasil. Foi fundada no ano de 1827 e, de
acordo com o censo de 2010, possui 186.253 habitantes, ou, 199.961 estimados em
2015 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015). Embora recente,
sua história guarda informações relevantes sobre as lutas[1], que podem ser relacionadas
ao que aconteceu em outras cidades do interior do Brasil: do desejo e
disposição que os pioneiros tiveram para buscar o conhecimento das lutas fora
de sua cidade natal, hoje, lutadores aqui formados levam esse conhecimento para
outros lugares do Brasil e do mundo. Entre uma situação e outra, muitas mudanças
e acontecimentos marcaram a vida das pessoas que fizeram parte do processo
histórico das lutas nessa cidade. A fim de preservar essas histórias para o
conhecimento público geral e, especialmente, para subsidiar o ensino das lutas em
aulas de Educação Física, dezoito desses importantes personagens foram
entrevistados entre os anos de 2013 e 2015. Ao rememorar essas histórias alguns
fatos se confundiram com as recordações do autor desse artigo [2], ao
passo que outros puderam ser finalmente esclarecidos.
Metodologia
As informações contidas nesse trabalho são
provenientes de pesquisa documental realizada nos arquivos do Centro
Pró-Memória Hans Nobiling - Esporte Clube Pinheiros, de livros e periódicos
impressos ou digitais e, ainda, de entrevistas pessoais. As informações e
imagens provenientes do Centro Pró-Memória Hans Nobiling foram obtidas por meio
de uma visita ocorrida no dia 21 de julho de 2015. As informações provenientes
de pesquisas na internet e bibliotecas se estenderam por todo o período da
pesquisa.
Além dessas fontes, esse texto apresenta
informações provenientes da memória do autor, que se envolveu por muitos anos
com as lutas na cidade de Rio Claro e teve próxima convivência com a maioria
dos entrevistados. Em relação às entrevistas, essas aconteceram entre os anos
de 2013 e 2015. Colaboraram dezoito pessoas, a saber:
Marcelo Renato Talarico: filho de Carlos
Talarico / carteiro.
Miguel Angelo Cruz de Oliveira: filho de Mario
Cruz de Oliveira / autônomo.
Jaime Polido: faixa-preta e professor de judô.
Luiz Carlos Mubarack: faixa-preta e professor
de judô / professor de Educação Física.
Odagyl Pessoa: faixa-preta e professor de
judô.
Soraia Pessoa Vieira: faixa-preta de judô /
diretora de escola.
Simone Pessoa: faixa-preta e professora de
judô e jiu-jitsu.
Priscila Matheus Encinas: faixa-preta de judô
/ professora de Educação Física.
Thiago Mendes: faixa-preta de judô e jiu-jitsu
/ professor de Educação Física.
Guilherme Mendes: faixa-preta e professor de
jiu-jitsu.
Rafael Mendes: faixa-preta e professor de
jiu-jitsu.
Waldemar Bíscaro: atleta e técnico de luta de
braço e levantamentos / eletricitário.
Ari da Silva Mello Filho: faixa-preta e professor
de karatê.
Antônio Roberto Bendilatti: faixa-preta e
professor de karatê.
Eduardo Dias Viana: faixa-preta de karatê /
professor de Educação Física.
Marcos Leonardo G. de Macedo: técnico de boxe
/ professor de Educação Física.
Breno Costa de Macedo: técnico de boxe /
professor de História.
Leonardo Costa de Macedo: técnico de boxe /
professor de Educação Física.
Todos esses entrevistados assinaram um Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a divulgação dos dados. Para
direcionar as entrevistas foi utilizado um questionário semiestruturado e, para
o registro, anotações em um diário de campo ou gravações em áudio ou vídeo, de
acordo com a preferência de cada um dos entrevistados. A fim de melhor
preservar as informações, as transcrições foram realizadas logo após a tomada
das entrevistas.
Sobre
os desafios nos circos, as brigas de rua e sua relação com as lutas
Atualmente, há no meio pedagógico uma grande
preocupação em diferenciar as lutas das brigas (Carreiro, 2005; Nozaki, 2011; Chianca
et al., 2016, etc.). Tal preocupação, mais que uma questão conceitual, se
justifica pela necessidade de incentivar o conhecimento e a apreciação das
lutas pelos escolares e, ao mesmo tempo, evitar possíveis situações que
incentivem a violência.
Brigas e lutas, no entanto, eram assuntos
recorrentes e sem muita distinção nas rodas de conversa dos antigos
rio-clarenses. Além dos feitos esportivos dos primeiros lutadores, histórias
que eram contadas entusiasticamente, de boca em boca, tratavam das brigas de
rua e dos desafios que chegavam com os circos. Dois famosos personagens
relacionados a esses fatos ainda devem estar na memória de algumas pessoas:
“Chocolate” e Carlos Talarico. Já falecidos, as informações sobre eles foram
fornecidas por seus filhos, Miguel e Marcelo, respectivamente.
Carlos Talarico e filhos.
“Chocolate” era o apelido de Mario Cruz de
Oliveira, um peso-pesado bom de briga, que ficou conhecido na cidade por
aceitar e vencer um desafio feito por uma lutadora de circo, na década de 1960
ou 1970. Seu filho Gabriel conta que o dono do tal circo combinou essa luta com
seu pai, oferecendo um cachê para que ele entregasse o resultado, fato que veio
a ocorrer. Acontece que o dono do circo utilizou a “derrota” de “Chocolate”
para desmerecer os valentes da cidade, pelo que “Chocolate” pediu uma revanche
e foi a desforra com a tal lutadora circense. Entre o que realmente aconteceu
e, o uso desses desafios como uma forma de marketing (coisa ainda comum no
mundo das lutas da atualidade), o certo é que essa história ficou famosa na
cidade e era contada como um fato cômico e inusitado. É certo também que,
conforme essa história ia sendo contada, muitas versões acabaram surgindo:
havia os que acreditavam que tinha se tratado de uma luta real e que a mulher
tinha perdido por nocaute ou por ter fraturado o braço. Outros achavam que era
luta combinada ou, no jargão popular, pura “marmelada”. É importante lembrar
que, naquela época, luta não era considerada coisa para mulher. Talvez por essa
razão tenha atraído tanto a atenção do público e tenha permanecido na lembrança
das pessoas. O interesse por espetáculos desse tipo pode ser comprovado também
em uma citação de Serrano (2014b), que informa que espetáculos desse tipo
ocorriam na capital paulista, a partir do início da década de 1950: “[...]
Depois de amanhã, teremos mais um espetáculo de luta livre de mulheres, que vem
alcançando extraordinário sucesso entre nós, pela sua característica
verdadeiramente inédita (p. 18)”.
Dos circos que chegavam à cidade de Rio Claro,
havia os que apresentavam exclusivamente shows de tourada (que incluíam,
geralmente, a apresentação de uma dupla de cantores sertanejos, ao final) e, os
circos tradicionais, que apresentavam shows de variedades. As lutas, por vezes,
faziam parte desses espetáculos de variedades. Em comum entre esses dois tipos
de circo eram os desafios. No caso dos circos de touradas, era oferecido um
prêmio para quem conseguisse montar um determinado animal e, no caso dos circos
tradicionais, um prêmio era oferecido para quem conseguisse vencer uma luta
contra o seu (ou sua) campeão. Pelo entusiasmo com que os antigos descreviam
essas lutas é provável que muitos não distinguissem uma luta real de uma luta
combinada. Para os promotores dos espetáculos, logicamente, o importante era
atrair o público pagante.
A importância dos circos para a divulgação das
lutas no Brasil também é reconhecida por autores que estudam suas origens
históricas. Serrano (2014a), em sua pesquisa sobre as origens do jiu-jitsu,
informa que a primeira menção encontrada sobre esse tipo de espetáculo é do ano
de 1929. Diz que Géo Omori fazia “[...] apresentações de lutas no “Circo
Queirolos”, situado no barracão da Rua Formosa, no Vale do Anhangabaú, centro
da capital paulista (p. 2)”. Já Pedreira (2015) informa que, na cidade do Rio
de Janeiro a “[...] luta romana foi apresentada ao Brasil em um domingo, 14 de
dezembro de 1856, pelo Circo Olympico, situado na Rua da Guarda Velha (nossa
tradução – s.p.)”, e que o savate “[...] foi apresentado por volta de 1862,
como parte dos shows e competições de esgrima que aconteciam, invariavelmente,
nos mesmos circos e teatros que apresentavam a luta romana (nossa tradução –
s.p.)”. Sendo os circos empresas itinerantes, esses espetáculos chegavam, com
certo atraso, a muitas cidades do interior.
Em Rio Claro, a mesma lutadora de circo que
enfrentou “Chocolate” lutou com outros valentes da cidade, como Zoel
“Mortadela” Parente, fisiculturista que também trabalhou como professor de
musculação e segurança e, Odagyl Pessoa, professor de judô. Conta Professor
Odagyl que, embora não se lembre do nome de tal lutadora, esta se apresentava
como tia do boxeador Eder Jofre e que era da família Zumbano. Podem-se
encontrar informações e imagens na internet que dão conta que tal lutadora
tratava-se de Olga Zumbano [3].
Professor Odagyl conta que chegou a participar, juntamente com “Chocolate”, de
outras lutas em circos promovidas nas cidades da região, mas, “[...] nessas
outras vezes, contra homens”.
“Chocolate” chegou ainda a participar de
exibições de “luta livre” ou “catch-as-catch-can”
que chegavam a cidade e eram apresentadas, geralmente, no Ginásio Municipal de
Esportes. Esse tipo de espetáculo, o “tele-catch”, fazia muito sucesso na
programação das primeiras TVs brasileiras, especialmente na década de 1960.
“Chocolate” também era conhecido na cidade por
resgatar os corpos de pessoas que se afogavam. Na época em que ainda não havia
o Corpo de Bombeiros, prestava esse serviço sem a utilização de aparelhos.
Famosas ficaram também suas brigas, especialmente a que fez contra Carlos
Talarico, próximo a linha do trem, na Avenida 32. Segundo Gabriel, filho de
“Chocolate”, essa briga aconteceu por causa de uma aposta ou desentendimento
ocorrido no bar do posto daquela avenida. De Carlos Talarico, no entanto, a
maior lembrança desse autor é de seu funeral, com o velório feito em casa, como
se costumava fazer até a década de 1970. Talarico foi morto com um golpe de
faca durante uma discussão. Muito se falou na época sobre as circunstâncias
desse crime e da forma como Talarico se dirigiu ao hospital a despeito do grave
ferimento. “Chocolate” e Talarico, bons brigadores, treinaram pouca coisa de
luta e “fizeram um pouco de peso” ou “halterofilismo”, expressões que
designavam o que hoje se conhece por musculação.
Essas histórias, no entanto, eram mais
comentadas do lado da cidade em que se situam as Vilas Alemã, Martins,
Aparecida, Nova, Jardim Bandeirantes, Jardim Cervezão, entre outras. Os bairros
que ficavam do outro lado da cidade, depois da região central, como a Vila
Paulista e Boa Morte, por exemplo, tinham suas próprias histórias de brigas e
brigadores. Até a década de 1970, pelo menos, também era comum haver “brigas de
bairros”. Isso podia acontecer, simplesmente, pelo fato de uma pessoa estar
cruzando um bairro que não fosse o seu.
Sobre essa questão de bairrismo, Roberto
Bendilatti, professor de karatê, lembra que em alguns bairros era comum reunir
turmas para brigar. Por essa razão, era difícil arrumar uma namorada fora do
bairro em que se morava: “[...] Eu mesmo, quando namorava a Sibele (sua
esposa), que morava na Vila Paulista, saí correndo várias vezes de lá, porque
um pessoal queria me bater”. Menciona que essa situação só melhorou a partir do
momento em que começou a jogar bola para o time daquela vila e fez amizade com
os locais.
Waldemar Bíscaro, bracista (competidor de luta
de braço), que mora até hoje na Consolação, bairro da cidade que já foi
conhecido como “buraco quente”, confirma essa disposição dos homens de sua vila
para brigarem em turma. Lembra-se do apelido de algumas pessoas da cidade que
ele descreve como “briguentos”, como “Vadinho”, “Vandão”, entre outros.
Surpreendentemente, lembra-se de duas mulheres que brigavam junto com os homens
de seu bairro: “Maria Preta” e “Jaça”. Afirma que “[...] brigavam com os homens
e batiam em alguns”. Tal situação era realmente inusitada, dado os costumes da
época. Mulheres que se preocupavam em manter a boa reputação tinham medo até de
passar por alguns lugares da cidade e “ficarem mal faladas”. Quanto mais,
brigar?
Odagyl Pessoa, ao tratar da questão das brigas
na cidade, também menciona esses mesmos “brigadores” ou “briguentos” (era
também comum de se usar o termo “valente” para descrever essas pessoas). Diz
que muitas das pessoas que começavam a treinar lutas, antigamente, o faziam por
gostar de brigar: “[...] Os professores (de lutas) davam conselho, mas não
adiantava muito, porque o pessoal brigava assim mesmo. Eu mesmo dei muito
conselho a meus alunos”.
Ari de Mello, professor de karatê, por sua
vez, afirma que em seu tempo de adolescente havia muito mais brigas do que hoje
em dia. Atribui a diminuição das brigas na atualidade em função do uso
extensivo das armas de fogo: se antes havia certa admiração por quem brigava na
rua, o senso comum de hoje parece compreender melhor o ditado: “Quem bate
esquece, quem apanha, não”.
Sem esquecer a questão da violência, o fato
dos homens da cidade brigarem mais antigamente precisa ser compreendido pelos
costumes e pela cultura de outra época. Havia certa ingenuidade que ligava as
brigas de rua a questões de honra, valentia, masculinidade e, no caso das
brigas de bairro, de pertencimento. Tais referências deviam ser o motivo para
que as brigas de antigamente se resolverem, quase sempre, “na mão”. Poucos eram
os casos de brigas que envolviam armas de fogo e eram raras as mortes que
aconteciam por esse motivo, como afirma Valdemar Bíscaro: “[...] As pessoas que
apelavam para o uso de armas eram vistas como covardes”. Outra razão
apresentada por Valdemar Bíscaro para que as brigas fossem “mais limpas”, era o
pouco conhecimento que a maioria das pessoas tinha sobre as drogas. Pelo que se
pode observar facilmente nos noticiários policiais da atualidade, a
disseminação das armas de fogo e o uso de drogas, realmente, teve um impacto
tremendo na questão da violência. Essa situação, como pôde ser verificada pelos
depoimentos dos entrevistados, também influenciou a forma como as pessoas
entendem e diferenciam as brigas das lutas.
Em contraste com a diminuição das brigas entre
os homens na cidade, no entanto, houve um aumento das brigas entre as mulheres,
especialmente, entre escolares adolescentes. Essa é a percepção dos
entrevistados que, atualmente, trabalham na área da educação: os professores
Eduardo Dias Viana (professor de Educação Física e karateca), Priscila Matheus
Encinas (professora de Educação Física e judoca) e, Soraia Pessoa Vieira
(diretora de escola e judoca). Da própria experiência como aluno e, mais tarde,
como professor, também percebemos a diminuição das brigas entre os meninos e, o
aumento entre as meninas. Fato que comprova essa informação, além da percepção
dos entrevistados, são os inúmeros vídeos que apresentam essas brigas de meninas
compartilhadas nas redes sociais, internet e T.V. (brigas que acontecem, quase
sempre, próximas às escolas.).
Das
motivações para o treinamento das lutas
Se as brigas foram, como mencionou professor
Odagyl Pessoa, um dos motivos para que alguns dos antigos rio-clarenses
começassem a praticar uma luta, é importante estabelecer uma diferença entre
quem apanhava e quem batia nessas brigas. Pelo que se levantou nas entrevistas,
“Chocolate” e Carlos Talarico, por exemplo, pouco se dedicaram ao treino das
lutas. No caso deles, tamanho e valentia bastavam para os enfrentamentos. No
caso de “Vadinho”, do Bairro Boa Morte, ser menor em tamanho era compensado
pela valentia. Dos “brigadores” citados nas entrevistas, apenas “Vandão”, que
era motorista da Cervejaria Caracú, treinou e lutou jiu-jitsu e vale-tudo.
Para
muitas outras pessoas, no entanto, sofrer qualquer tipo de violência não tinha
a menor graça e era fonte de revolta. É o caso do professor Eduardo Dias Viana,
que relata que começou a treinar lutas por causa das brigas na escola,
especialmente, as que aconteciam nas entradas e nos intervalos das aulas. Diz
que sofreu muito com essa violência e que começou a treinar para reagir. Tem o
cuidado de informar que “[...] com o tempo, eu fui mudando”.
A revolta em sofrer tal violência nas escolas,
hoje chamada de bullying, fez (e,
ainda faz) parte da vida de muitas crianças. Antes que houvesse uma maior
preocupação educacional com essa questão, muitas crianças tiveram que engolir o
sofrimento e humilhação ou procurar uma solução que, muitas vezes, passava pelo
treino de uma luta, fosse para a autodefesa ou para a desforra. Esse tipo de
violência marcou a vida de muitos jovens de formas e intensidades diferentes,
pois ultrapassa as fronteiras da cidade, do estado e do país. Vide, por
exemplo, os inúmeros episódios do seriado “Todo mundo odeia o Chris” [4],
baseado na vida de Chris Rock, em que o personagem principal sofre constantes
abusos dentro da escola, impostos por um aluno mais forte. Outro exemplo é o
filme “Te pego lá fora” [5], que
descreve uma ameaça de briga depois da aula: até o sinal da saída, o personagem
ameaçado sofre muito com essa situação.
De nossa própria recordação, as frequentes
brigas que aconteciam depois das aulas de Educação Física, que aconteciam em
período contrário às outras disciplinas. Essas brigas eram motivadas, quase
sempre, pelo que acontecia nos jogos de “futebol”, como caneladas e
xingamentos. Um fato interessante é que, naquela época, tanto na escola como
nos bailes as brigas aconteciam, quase sempre, do lado de fora. Isso se dava pelo
respeito e pelo medo de ser excluído desses ambientes. Por outro lado, alguns
xingamentos ofendiam muito mais do que atualmente. Qualquer coisa que
afrontasse a honra da pessoa ou de sua família era digna de briga (quando não,
de morte), diferente de hoje, em que muitos termos chulos passaram a ser língua
corrente ou letra de músicas de sucesso.
Outra recordação dramática relacionada à
motivação de uma pessoa para praticar lutas vem do relato de uma moça que
sofreu uma violência indescritível, imposta por estranhos, dentro de sua
própria casa. Diz que começou a lutar porque jurou para si mesma que outro
homem nunca mais a tocaria se ela não o permitisse. Esse depoimento, feito por
uma colega de maneira informal, não poderia expor tal pessoa, mas é informação
importante para entender os motivos que levaram muitas pessoas a treinarem um
tipo de luta.
Tratando ainda da questão das motivações para
o treinamento das lutas, além da questão da violência, relatos de alguns dos
entrevistados dão conta da influência exercida pelas mídias, especialmente, o
cinema. É o caso do professor Ari de Mello, que relata que os filmes de Bruce
Lee acabaram lhe influenciando a trocar o treinamento de uma luta agarrada, o
judô, pelo treino de uma luta de “pancadas”, o karatê. Já a opção de treinar
uma luta com objetivo de conquistar vitórias esportivas, pelas medalhas e
troféus, também foi mencionada por alguns dos entrevistados, como foi o caso de
Luís Carlos Mubarack, professor de judô.
Aprender e treinar uma luta para se tornar um
profissional do ramo foi outra motivação alegada por alguns dos entrevistados,
como foi o caso de Rafael e Guilherme Mendes, professores de jiu-jitsu. Viver
das lutas, no entanto, quase sempre passou pela questão do ensino. Sendo
algumas modalidades de lutas amadoras ou semiamadoras, ganhar dinheiro nesse
meio quase sempre significou dar aulas em projetos da prefeitura, em entidades
como o SESI (Serviço Social da Indústria) e em academias. Premiações e
patrocínios, mesmo para os expoentes de algumas modalidades de lutas, podem ser
considerados fatos recentes na cidade. Poucos têm condições de viver somente
com esse tipo de remuneração, que serve mais como complemento aos ganhos que
provém do ensino e treinamento das lutas.
Referências
Carreiro, E. A. (2005). Lutas.
En Darido, S. C. y Rangel, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para
a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Chianca, A. G. L., Costa, L. R. F, Morgan, D. A. R. y Camara, H. C.
(2016). Lutas na Educação Física escolar. Redfoco.
Vol. 3, n. 1. Recuperado el 07 de septiembre de 2016 de:
file:///C:/Users/cce%20user/Downloads/1810-4847-1-PB.pdf
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. org. Recuperado el 13
de diciembre de 2015 de: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354390
&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas
Nozaki, J. (2011). O lugar da luta nas aulas de Educação Física. Nova Escola, 239. Recuperado el 07 de
septiembre de 2016 de: http://revistaescola.abril.com.br/educacaofisica/pratica-pedagogica/lugar-luta-aulas-educacao-fisica-equilibrio-forca-briga-617887.shtml
Pedreira, R. (2015). Choque: the untold story of jiu-jitsu in
Brazil - 1856-1949 – Volume 1. (2ª ed.). GTR.
Serrano, M. (2014a). O livro
proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v.
1.
Serrano, M. (2014b). O livro
proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v.
3.
[1] Lutas e artes marciais são termos utilizados
nessa pesquisa para designar, da mesma maneira, combates corporais.
[2] Fernando Paulo Rosa de Freitas é faixa-preta
de karatê e já competiu em outras modalidades de luta como judô, jiu-jitsu e
boxe.
[3] Site com informações sobre Olga Zumbano:
<http://www.vice.com/pt_br/read/combate-coracao-v2n2)>. Acesso em: 12
set. 2016.
[4] Do original “Everybody Hates Chris”, este seriado americano se baseia na
história pessoal de Chris Rock. Das situações de bullying que ocorrem na escola, os abusos mais recorrentes sofridos
pelo personagem principal são impostos por Joey Caruso, o valentão da escola.
[5] O título original desse filme é “Three O'Clock High”, uma produção de
1987, do estúdio Universal Pictures e direção de Phil Joanou.
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