domingo, 29 de outubro de 2017

Histórias das lutas na cidade de Rio Claro (1): sobre as brigas, desafios nos circos e motivações para lutar.

Histories of the fights in the city of Rio Claro (1): about the street fights, challenges in circuses and motivations to fight.

Fernando Paulo Rosa de Freitas (Mestre em Ciências da Motricidade Humana – UNESP – Rio Claro. Professor de Educação Física da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail: fer_edfis@hotmail.com).

Resumo: Esta é a primeira parte de um artigo que trata do processo histórico das lutas ocorrido na cidade de Rio Claro, estado de São Paulo, Brasil. As informações contidas nesse trabalho são resultado de pesquisa bibliográfica e entrevistas com pessoas que têm ou que tiveram relação com as lutas e artes marciais durante suas vidas. Tem como objetivo preservar e divulgar essas informações de maneira geral e, em especial, subsidiar o ensino das lutas nas escolas.
Palavras-chave: Lutas; História; Cidade de Rio Claro.

Abstract: This is the first part of an article that discusses the historical process of the fights occurred in the city of Rio Claro, São Paulo, Brazil. The information contained in this work is the outcome of bibliographic research and interviews with people who have or who have had relationship with the fights and martial arts during their lives. It aims to preserve and disseminate this information in general and, in particular, support the teaching of fights in schools.
Keywords: Fights; History; Rio Claro City.

Resumen: Esta es la primera parte de un artículo que analiza el proceso histórico de las luchas que tuvieron lugar en la ciudad de Río Claro, Sao Paulo, Brasil. La información contenida en este trabajo es el resultado de investigación bibliográfica y entrevistas con personas que tienen o que han tenido relación con las luchas y artes marciales durante sus vidas. Su objetivo es preservar y difundir esta información en general y, en particular, apoyar la enseñanza de las luchas en las escuelas.
Palabras clave: Luchas; Historia; Ciudad de Río Claro.


Introdução

A cidade de Rio Claro está situada na região centro-oeste do Estado de São Paulo, Brasil. Foi fundada no ano de 1827 e, de acordo com o censo de 2010, possui 186.253 habitantes, ou, 199.961 estimados em 2015 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015). Embora recente, sua história guarda informações relevantes sobre as lutas[1], que podem ser relacionadas ao que aconteceu em outras cidades do interior do Brasil: do desejo e disposição que os pioneiros tiveram para buscar o conhecimento das lutas fora de sua cidade natal, hoje, lutadores aqui formados levam esse conhecimento para outros lugares do Brasil e do mundo. Entre uma situação e outra, muitas mudanças e acontecimentos marcaram a vida das pessoas que fizeram parte do processo histórico das lutas nessa cidade. A fim de preservar essas histórias para o conhecimento público geral e, especialmente, para subsidiar o ensino das lutas em aulas de Educação Física, dezoito desses importantes personagens foram entrevistados entre os anos de 2013 e 2015. Ao rememorar essas histórias alguns fatos se confundiram com as recordações do autor desse artigo [2], ao passo que outros puderam ser finalmente esclarecidos.

Metodologia

As informações contidas nesse trabalho são provenientes de pesquisa documental realizada nos arquivos do Centro Pró-Memória Hans Nobiling - Esporte Clube Pinheiros, de livros e periódicos impressos ou digitais e, ainda, de entrevistas pessoais. As informações e imagens provenientes do Centro Pró-Memória Hans Nobiling foram obtidas por meio de uma visita ocorrida no dia 21 de julho de 2015. As informações provenientes de pesquisas na internet e bibliotecas se estenderam por todo o período da pesquisa.
Além dessas fontes, esse texto apresenta informações provenientes da memória do autor, que se envolveu por muitos anos com as lutas na cidade de Rio Claro e teve próxima convivência com a maioria dos entrevistados. Em relação às entrevistas, essas aconteceram entre os anos de 2013 e 2015. Colaboraram dezoito pessoas, a saber:

Marcelo Renato Talarico: filho de Carlos Talarico / carteiro.
Miguel Angelo Cruz de Oliveira: filho de Mario Cruz de Oliveira / autônomo.
Jaime Polido: faixa-preta e professor de judô.
Luiz Carlos Mubarack: faixa-preta e professor de judô / professor de Educação Física.
Odagyl Pessoa: faixa-preta e professor de judô.
Soraia Pessoa Vieira: faixa-preta de judô / diretora de escola.
Simone Pessoa: faixa-preta e professora de judô e jiu-jitsu.
Priscila Matheus Encinas: faixa-preta de judô / professora de Educação Física.
Thiago Mendes: faixa-preta de judô e jiu-jitsu / professor de Educação Física.
Guilherme Mendes: faixa-preta e professor de jiu-jitsu.
Rafael Mendes: faixa-preta e professor de jiu-jitsu.
Waldemar Bíscaro: atleta e técnico de luta de braço e levantamentos / eletricitário.
Ari da Silva Mello Filho: faixa-preta e professor de karatê.
Antônio Roberto Bendilatti: faixa-preta e professor de karatê.
Eduardo Dias Viana: faixa-preta de karatê / professor de Educação Física.
Marcos Leonardo G. de Macedo: técnico de boxe / professor de Educação Física.
Breno Costa de Macedo: técnico de boxe / professor de História.
Leonardo Costa de Macedo: técnico de boxe / professor de Educação Física.

Todos esses entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a divulgação dos dados. Para direcionar as entrevistas foi utilizado um questionário semiestruturado e, para o registro, anotações em um diário de campo ou gravações em áudio ou vídeo, de acordo com a preferência de cada um dos entrevistados. A fim de melhor preservar as informações, as transcrições foram realizadas logo após a tomada das entrevistas.

Sobre os desafios nos circos, as brigas de rua e sua relação com as lutas

Atualmente, há no meio pedagógico uma grande preocupação em diferenciar as lutas das brigas (Carreiro, 2005; Nozaki, 2011; Chianca et al., 2016, etc.). Tal preocupação, mais que uma questão conceitual, se justifica pela necessidade de incentivar o conhecimento e a apreciação das lutas pelos escolares e, ao mesmo tempo, evitar possíveis situações que incentivem a violência.
Brigas e lutas, no entanto, eram assuntos recorrentes e sem muita distinção nas rodas de conversa dos antigos rio-clarenses. Além dos feitos esportivos dos primeiros lutadores, histórias que eram contadas entusiasticamente, de boca em boca, tratavam das brigas de rua e dos desafios que chegavam com os circos. Dois famosos personagens relacionados a esses fatos ainda devem estar na memória de algumas pessoas: “Chocolate” e Carlos Talarico. Já falecidos, as informações sobre eles foram fornecidas por seus filhos, Miguel e Marcelo, respectivamente.


Carlos Talarico e filhos.

“Chocolate” era o apelido de Mario Cruz de Oliveira, um peso-pesado bom de briga, que ficou conhecido na cidade por aceitar e vencer um desafio feito por uma lutadora de circo, na década de 1960 ou 1970. Seu filho Gabriel conta que o dono do tal circo combinou essa luta com seu pai, oferecendo um cachê para que ele entregasse o resultado, fato que veio a ocorrer. Acontece que o dono do circo utilizou a “derrota” de “Chocolate” para desmerecer os valentes da cidade, pelo que “Chocolate” pediu uma revanche e foi a desforra com a tal lutadora circense. Entre o que realmente aconteceu e, o uso desses desafios como uma forma de marketing (coisa ainda comum no mundo das lutas da atualidade), o certo é que essa história ficou famosa na cidade e era contada como um fato cômico e inusitado. É certo também que, conforme essa história ia sendo contada, muitas versões acabaram surgindo: havia os que acreditavam que tinha se tratado de uma luta real e que a mulher tinha perdido por nocaute ou por ter fraturado o braço. Outros achavam que era luta combinada ou, no jargão popular, pura “marmelada”. É importante lembrar que, naquela época, luta não era considerada coisa para mulher. Talvez por essa razão tenha atraído tanto a atenção do público e tenha permanecido na lembrança das pessoas. O interesse por espetáculos desse tipo pode ser comprovado também em uma citação de Serrano (2014b), que informa que espetáculos desse tipo ocorriam na capital paulista, a partir do início da década de 1950: “[...] Depois de amanhã, teremos mais um espetáculo de luta livre de mulheres, que vem alcançando extraordinário sucesso entre nós, pela sua característica verdadeiramente inédita (p. 18)”.
Dos circos que chegavam à cidade de Rio Claro, havia os que apresentavam exclusivamente shows de tourada (que incluíam, geralmente, a apresentação de uma dupla de cantores sertanejos, ao final) e, os circos tradicionais, que apresentavam shows de variedades. As lutas, por vezes, faziam parte desses espetáculos de variedades. Em comum entre esses dois tipos de circo eram os desafios. No caso dos circos de touradas, era oferecido um prêmio para quem conseguisse montar um determinado animal e, no caso dos circos tradicionais, um prêmio era oferecido para quem conseguisse vencer uma luta contra o seu (ou sua) campeão. Pelo entusiasmo com que os antigos descreviam essas lutas é provável que muitos não distinguissem uma luta real de uma luta combinada. Para os promotores dos espetáculos, logicamente, o importante era atrair o público pagante.
A importância dos circos para a divulgação das lutas no Brasil também é reconhecida por autores que estudam suas origens históricas. Serrano (2014a), em sua pesquisa sobre as origens do jiu-jitsu, informa que a primeira menção encontrada sobre esse tipo de espetáculo é do ano de 1929. Diz que Géo Omori fazia “[...] apresentações de lutas no “Circo Queirolos”, situado no barracão da Rua Formosa, no Vale do Anhangabaú, centro da capital paulista (p. 2)”. Já Pedreira (2015) informa que, na cidade do Rio de Janeiro a “[...] luta romana foi apresentada ao Brasil em um domingo, 14 de dezembro de 1856, pelo Circo Olympico, situado na Rua da Guarda Velha (nossa tradução – s.p.)”, e que o savate “[...] foi apresentado por volta de 1862, como parte dos shows e competições de esgrima que aconteciam, invariavelmente, nos mesmos circos e teatros que apresentavam a luta romana (nossa tradução – s.p.)”. Sendo os circos empresas itinerantes, esses espetáculos chegavam, com certo atraso, a muitas cidades do interior.
Em Rio Claro, a mesma lutadora de circo que enfrentou “Chocolate” lutou com outros valentes da cidade, como Zoel “Mortadela” Parente, fisiculturista que também trabalhou como professor de musculação e segurança e, Odagyl Pessoa, professor de judô. Conta Professor Odagyl que, embora não se lembre do nome de tal lutadora, esta se apresentava como tia do boxeador Eder Jofre e que era da família Zumbano. Podem-se encontrar informações e imagens na internet que dão conta que tal lutadora tratava-se de Olga Zumbano [3]. Professor Odagyl conta que chegou a participar, juntamente com “Chocolate”, de outras lutas em circos promovidas nas cidades da região, mas, “[...] nessas outras vezes, contra homens”.
“Chocolate” chegou ainda a participar de exibições de “luta livre” ou “catch-as-catch-can” que chegavam a cidade e eram apresentadas, geralmente, no Ginásio Municipal de Esportes. Esse tipo de espetáculo, o “tele-catch”, fazia muito sucesso na programação das primeiras TVs brasileiras, especialmente na década de 1960.
“Chocolate” também era conhecido na cidade por resgatar os corpos de pessoas que se afogavam. Na época em que ainda não havia o Corpo de Bombeiros, prestava esse serviço sem a utilização de aparelhos. Famosas ficaram também suas brigas, especialmente a que fez contra Carlos Talarico, próximo a linha do trem, na Avenida 32. Segundo Gabriel, filho de “Chocolate”, essa briga aconteceu por causa de uma aposta ou desentendimento ocorrido no bar do posto daquela avenida. De Carlos Talarico, no entanto, a maior lembrança desse autor é de seu funeral, com o velório feito em casa, como se costumava fazer até a década de 1970. Talarico foi morto com um golpe de faca durante uma discussão. Muito se falou na época sobre as circunstâncias desse crime e da forma como Talarico se dirigiu ao hospital a despeito do grave ferimento. “Chocolate” e Talarico, bons brigadores, treinaram pouca coisa de luta e “fizeram um pouco de peso” ou “halterofilismo”, expressões que designavam o que hoje se conhece por musculação.
Essas histórias, no entanto, eram mais comentadas do lado da cidade em que se situam as Vilas Alemã, Martins, Aparecida, Nova, Jardim Bandeirantes, Jardim Cervezão, entre outras. Os bairros que ficavam do outro lado da cidade, depois da região central, como a Vila Paulista e Boa Morte, por exemplo, tinham suas próprias histórias de brigas e brigadores. Até a década de 1970, pelo menos, também era comum haver “brigas de bairros”. Isso podia acontecer, simplesmente, pelo fato de uma pessoa estar cruzando um bairro que não fosse o seu.
Sobre essa questão de bairrismo, Roberto Bendilatti, professor de karatê, lembra que em alguns bairros era comum reunir turmas para brigar. Por essa razão, era difícil arrumar uma namorada fora do bairro em que se morava: “[...] Eu mesmo, quando namorava a Sibele (sua esposa), que morava na Vila Paulista, saí correndo várias vezes de lá, porque um pessoal queria me bater”. Menciona que essa situação só melhorou a partir do momento em que começou a jogar bola para o time daquela vila e fez amizade com os locais.
Waldemar Bíscaro, bracista (competidor de luta de braço), que mora até hoje na Consolação, bairro da cidade que já foi conhecido como “buraco quente”, confirma essa disposição dos homens de sua vila para brigarem em turma. Lembra-se do apelido de algumas pessoas da cidade que ele descreve como “briguentos”, como “Vadinho”, “Vandão”, entre outros. Surpreendentemente, lembra-se de duas mulheres que brigavam junto com os homens de seu bairro: “Maria Preta” e “Jaça”. Afirma que “[...] brigavam com os homens e batiam em alguns”. Tal situação era realmente inusitada, dado os costumes da época. Mulheres que se preocupavam em manter a boa reputação tinham medo até de passar por alguns lugares da cidade e “ficarem mal faladas”. Quanto mais, brigar?
Odagyl Pessoa, ao tratar da questão das brigas na cidade, também menciona esses mesmos “brigadores” ou “briguentos” (era também comum de se usar o termo “valente” para descrever essas pessoas). Diz que muitas das pessoas que começavam a treinar lutas, antigamente, o faziam por gostar de brigar: “[...] Os professores (de lutas) davam conselho, mas não adiantava muito, porque o pessoal brigava assim mesmo. Eu mesmo dei muito conselho a meus alunos”.
Ari de Mello, professor de karatê, por sua vez, afirma que em seu tempo de adolescente havia muito mais brigas do que hoje em dia. Atribui a diminuição das brigas na atualidade em função do uso extensivo das armas de fogo: se antes havia certa admiração por quem brigava na rua, o senso comum de hoje parece compreender melhor o ditado: “Quem bate esquece, quem apanha, não”.
Sem esquecer a questão da violência, o fato dos homens da cidade brigarem mais antigamente precisa ser compreendido pelos costumes e pela cultura de outra época. Havia certa ingenuidade que ligava as brigas de rua a questões de honra, valentia, masculinidade e, no caso das brigas de bairro, de pertencimento. Tais referências deviam ser o motivo para que as brigas de antigamente se resolverem, quase sempre, “na mão”. Poucos eram os casos de brigas que envolviam armas de fogo e eram raras as mortes que aconteciam por esse motivo, como afirma Valdemar Bíscaro: “[...] As pessoas que apelavam para o uso de armas eram vistas como covardes”. Outra razão apresentada por Valdemar Bíscaro para que as brigas fossem “mais limpas”, era o pouco conhecimento que a maioria das pessoas tinha sobre as drogas. Pelo que se pode observar facilmente nos noticiários policiais da atualidade, a disseminação das armas de fogo e o uso de drogas, realmente, teve um impacto tremendo na questão da violência. Essa situação, como pôde ser verificada pelos depoimentos dos entrevistados, também influenciou a forma como as pessoas entendem e diferenciam as brigas das lutas.
Em contraste com a diminuição das brigas entre os homens na cidade, no entanto, houve um aumento das brigas entre as mulheres, especialmente, entre escolares adolescentes. Essa é a percepção dos entrevistados que, atualmente, trabalham na área da educação: os professores Eduardo Dias Viana (professor de Educação Física e karateca), Priscila Matheus Encinas (professora de Educação Física e judoca) e, Soraia Pessoa Vieira (diretora de escola e judoca). Da própria experiência como aluno e, mais tarde, como professor, também percebemos a diminuição das brigas entre os meninos e, o aumento entre as meninas. Fato que comprova essa informação, além da percepção dos entrevistados, são os inúmeros vídeos que apresentam essas brigas de meninas compartilhadas nas redes sociais, internet e T.V. (brigas que acontecem, quase sempre, próximas às escolas.).

Das motivações para o treinamento das lutas

Se as brigas foram, como mencionou professor Odagyl Pessoa, um dos motivos para que alguns dos antigos rio-clarenses começassem a praticar uma luta, é importante estabelecer uma diferença entre quem apanhava e quem batia nessas brigas. Pelo que se levantou nas entrevistas, “Chocolate” e Carlos Talarico, por exemplo, pouco se dedicaram ao treino das lutas. No caso deles, tamanho e valentia bastavam para os enfrentamentos. No caso de “Vadinho”, do Bairro Boa Morte, ser menor em tamanho era compensado pela valentia. Dos “brigadores” citados nas entrevistas, apenas “Vandão”, que era motorista da Cervejaria Caracú, treinou e lutou jiu-jitsu e vale-tudo.
 Para muitas outras pessoas, no entanto, sofrer qualquer tipo de violência não tinha a menor graça e era fonte de revolta. É o caso do professor Eduardo Dias Viana, que relata que começou a treinar lutas por causa das brigas na escola, especialmente, as que aconteciam nas entradas e nos intervalos das aulas. Diz que sofreu muito com essa violência e que começou a treinar para reagir. Tem o cuidado de informar que “[...] com o tempo, eu fui mudando”.
A revolta em sofrer tal violência nas escolas, hoje chamada de bullying, fez (e, ainda faz) parte da vida de muitas crianças. Antes que houvesse uma maior preocupação educacional com essa questão, muitas crianças tiveram que engolir o sofrimento e humilhação ou procurar uma solução que, muitas vezes, passava pelo treino de uma luta, fosse para a autodefesa ou para a desforra. Esse tipo de violência marcou a vida de muitos jovens de formas e intensidades diferentes, pois ultrapassa as fronteiras da cidade, do estado e do país. Vide, por exemplo, os inúmeros episódios do seriado “Todo mundo odeia o Chris” [4], baseado na vida de Chris Rock, em que o personagem principal sofre constantes abusos dentro da escola, impostos por um aluno mais forte. Outro exemplo é o filme “Te pego lá fora” [5], que descreve uma ameaça de briga depois da aula: até o sinal da saída, o personagem ameaçado sofre muito com essa situação.
De nossa própria recordação, as frequentes brigas que aconteciam depois das aulas de Educação Física, que aconteciam em período contrário às outras disciplinas. Essas brigas eram motivadas, quase sempre, pelo que acontecia nos jogos de “futebol”, como caneladas e xingamentos. Um fato interessante é que, naquela época, tanto na escola como nos bailes as brigas aconteciam, quase sempre, do lado de fora. Isso se dava pelo respeito e pelo medo de ser excluído desses ambientes. Por outro lado, alguns xingamentos ofendiam muito mais do que atualmente. Qualquer coisa que afrontasse a honra da pessoa ou de sua família era digna de briga (quando não, de morte), diferente de hoje, em que muitos termos chulos passaram a ser língua corrente ou letra de músicas de sucesso.
Outra recordação dramática relacionada à motivação de uma pessoa para praticar lutas vem do relato de uma moça que sofreu uma violência indescritível, imposta por estranhos, dentro de sua própria casa. Diz que começou a lutar porque jurou para si mesma que outro homem nunca mais a tocaria se ela não o permitisse. Esse depoimento, feito por uma colega de maneira informal, não poderia expor tal pessoa, mas é informação importante para entender os motivos que levaram muitas pessoas a treinarem um tipo de luta.
Tratando ainda da questão das motivações para o treinamento das lutas, além da questão da violência, relatos de alguns dos entrevistados dão conta da influência exercida pelas mídias, especialmente, o cinema. É o caso do professor Ari de Mello, que relata que os filmes de Bruce Lee acabaram lhe influenciando a trocar o treinamento de uma luta agarrada, o judô, pelo treino de uma luta de “pancadas”, o karatê. Já a opção de treinar uma luta com objetivo de conquistar vitórias esportivas, pelas medalhas e troféus, também foi mencionada por alguns dos entrevistados, como foi o caso de Luís Carlos Mubarack, professor de judô.
Aprender e treinar uma luta para se tornar um profissional do ramo foi outra motivação alegada por alguns dos entrevistados, como foi o caso de Rafael e Guilherme Mendes, professores de jiu-jitsu. Viver das lutas, no entanto, quase sempre passou pela questão do ensino. Sendo algumas modalidades de lutas amadoras ou semiamadoras, ganhar dinheiro nesse meio quase sempre significou dar aulas em projetos da prefeitura, em entidades como o SESI (Serviço Social da Indústria) e em academias. Premiações e patrocínios, mesmo para os expoentes de algumas modalidades de lutas, podem ser considerados fatos recentes na cidade. Poucos têm condições de viver somente com esse tipo de remuneração, que serve mais como complemento aos ganhos que provém do ensino e treinamento das lutas.

Referências

Carreiro, E. A. (2005). Lutas. En Darido, S. C. y Rangel, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Chianca, A. G. L., Costa, L. R. F, Morgan, D. A. R. y Camara, H. C. (2016). Lutas na Educação Física escolar. Redfoco. Vol. 3, n. 1. Recuperado el 07 de septiembre de 2016 de: file:///C:/Users/cce%20user/Downloads/1810-4847-1-PB.pdf

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. org. Recuperado el 13 de diciembre de 2015 de: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354390 &search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas

Nozaki, J. (2011). O lugar da luta nas aulas de Educação Física. Nova Escola, 239. Recuperado el 07 de septiembre de 2016 de: http://revistaescola.abril.com.br/educacaofisica/pratica-pedagogica/lugar-luta-aulas-educacao-fisica-equilibrio-forca-briga-617887.shtml

Pedreira, R. (2015). Choque: the untold story of jiu-jitsu in Brazil - 1856-1949 – Volume 1. (2ª ed.). GTR.

Serrano, M. (2014a). O livro proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v. 1.

Serrano, M. (2014b). O livro proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v. 3.



[1] Lutas e artes marciais são termos utilizados nessa pesquisa para designar, da mesma maneira, combates corporais.
[2] Fernando Paulo Rosa de Freitas é faixa-preta de karatê e já competiu em outras modalidades de luta como judô, jiu-jitsu e boxe.
[3] Site com informações sobre Olga Zumbano: <http://www.vice.com/pt_br/read/combate-coracao-v2n2)>. Acesso em: 12 set. 2016.
[4] Do original “Everybody Hates Chris”, este seriado americano se baseia na história pessoal de Chris Rock. Das situações de bullying que ocorrem na escola, os abusos mais recorrentes sofridos pelo personagem principal são impostos por Joey Caruso, o valentão da escola.
[5] O título original desse filme é “Three O'Clock High”, uma produção de 1987, do estúdio Universal Pictures e direção de Phil Joanou.

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