Caros amigos:
Esse blog, inicialmente, foi pensado para servir para as aulas de Educação Física. Mesmo que o material oferecido pelo estado já ofereça alguma coisa sobre a história das lutas, acho interessante que os alunos conheçam um pouco da história mais próxima. Ao optar por divulgar essa pesquisa por meio de um blog, pensei na possibilidade de colaborações e correções futuras. Mesmo buscando informações de várias pessoas e modalidades, no entanto, sei que essa é apenas uma parte de uma rica história. A experiência de muitas pessoas que participaram das entrevistas e de outros que não pudemos alcançar, na realidade, poderiam oferecer material para mais de um livro. Por essa razão, peço que novas colaborações possam vir a enriquecer esse canal de divulgação e conhecimento, sejam no formado de imagens ou textos. Novas colaborações, sugestões ou correções serão sempre bem vindas e poderão ser enviadas para meu e-mail ou pelo face. Divulgaremos com o maior prazer os materiais enviados. Um grande abraço. Oss.
domingo, 29 de outubro de 2017
Histórias
das lutas na cidade de Rio Claro (1): sobre as brigas, desafios nos circos e
motivações para lutar.
Histories of the fights in the city of Rio
Claro (1): about the street fights, challenges in circuses and motivations to
fight.
Fernando Paulo Rosa de Freitas (Mestre em
Ciências da Motricidade Humana – UNESP – Rio Claro. Professor de Educação
Física da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail:
fer_edfis@hotmail.com).
Resumo:
Esta é a primeira parte de um artigo que trata do processo histórico das lutas
ocorrido na cidade de Rio Claro, estado de São Paulo, Brasil. As informações
contidas nesse trabalho são resultado de pesquisa bibliográfica e entrevistas
com pessoas que têm ou que tiveram relação com as lutas e artes marciais
durante suas vidas. Tem como objetivo preservar e divulgar essas informações de
maneira geral e, em especial, subsidiar o ensino das lutas nas escolas.
Palavras-chave:
Lutas; História; Cidade de Rio Claro.
Abstract: This is the first part of an article that discusses
the historical process of the fights occurred in the city of Rio Claro, São
Paulo, Brazil. The information contained in this work is the outcome of
bibliographic research and interviews with people who have or who have had
relationship with the fights and martial arts during their lives. It aims to
preserve and disseminate this information in general and, in particular,
support the teaching of fights in schools.
Keywords: Fights; History; Rio Claro City.
Resumen: Esta
es la primera parte de un artículo que analiza el proceso histórico de las
luchas que tuvieron lugar en la ciudad de Río Claro, Sao Paulo, Brasil. La
información contenida en este trabajo es el resultado de investigación
bibliográfica y entrevistas con personas que tienen o que han tenido relación
con las luchas y artes marciales durante sus vidas. Su objetivo es preservar y
difundir esta información en general y, en particular, apoyar la enseñanza de
las luchas en las escuelas.
Palabras
clave: Luchas; Historia; Ciudad de Río Claro.
Introdução
A cidade de Rio Claro está situada na região
centro-oeste do Estado de São Paulo, Brasil. Foi fundada no ano de 1827 e, de
acordo com o censo de 2010, possui 186.253 habitantes, ou, 199.961 estimados em
2015 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015). Embora recente,
sua história guarda informações relevantes sobre as lutas[1], que podem ser relacionadas
ao que aconteceu em outras cidades do interior do Brasil: do desejo e
disposição que os pioneiros tiveram para buscar o conhecimento das lutas fora
de sua cidade natal, hoje, lutadores aqui formados levam esse conhecimento para
outros lugares do Brasil e do mundo. Entre uma situação e outra, muitas mudanças
e acontecimentos marcaram a vida das pessoas que fizeram parte do processo
histórico das lutas nessa cidade. A fim de preservar essas histórias para o
conhecimento público geral e, especialmente, para subsidiar o ensino das lutas em
aulas de Educação Física, dezoito desses importantes personagens foram
entrevistados entre os anos de 2013 e 2015. Ao rememorar essas histórias alguns
fatos se confundiram com as recordações do autor desse artigo [2], ao
passo que outros puderam ser finalmente esclarecidos.
Metodologia
As informações contidas nesse trabalho são
provenientes de pesquisa documental realizada nos arquivos do Centro
Pró-Memória Hans Nobiling - Esporte Clube Pinheiros, de livros e periódicos
impressos ou digitais e, ainda, de entrevistas pessoais. As informações e
imagens provenientes do Centro Pró-Memória Hans Nobiling foram obtidas por meio
de uma visita ocorrida no dia 21 de julho de 2015. As informações provenientes
de pesquisas na internet e bibliotecas se estenderam por todo o período da
pesquisa.
Além dessas fontes, esse texto apresenta
informações provenientes da memória do autor, que se envolveu por muitos anos
com as lutas na cidade de Rio Claro e teve próxima convivência com a maioria
dos entrevistados. Em relação às entrevistas, essas aconteceram entre os anos
de 2013 e 2015. Colaboraram dezoito pessoas, a saber:
Marcelo Renato Talarico: filho de Carlos
Talarico / carteiro.
Miguel Angelo Cruz de Oliveira: filho de Mario
Cruz de Oliveira / autônomo.
Jaime Polido: faixa-preta e professor de judô.
Luiz Carlos Mubarack: faixa-preta e professor
de judô / professor de Educação Física.
Odagyl Pessoa: faixa-preta e professor de
judô.
Soraia Pessoa Vieira: faixa-preta de judô /
diretora de escola.
Simone Pessoa: faixa-preta e professora de
judô e jiu-jitsu.
Priscila Matheus Encinas: faixa-preta de judô
/ professora de Educação Física.
Thiago Mendes: faixa-preta de judô e jiu-jitsu
/ professor de Educação Física.
Guilherme Mendes: faixa-preta e professor de
jiu-jitsu.
Rafael Mendes: faixa-preta e professor de
jiu-jitsu.
Waldemar Bíscaro: atleta e técnico de luta de
braço e levantamentos / eletricitário.
Ari da Silva Mello Filho: faixa-preta e professor
de karatê.
Antônio Roberto Bendilatti: faixa-preta e
professor de karatê.
Eduardo Dias Viana: faixa-preta de karatê /
professor de Educação Física.
Marcos Leonardo G. de Macedo: técnico de boxe
/ professor de Educação Física.
Breno Costa de Macedo: técnico de boxe /
professor de História.
Leonardo Costa de Macedo: técnico de boxe /
professor de Educação Física.
Todos esses entrevistados assinaram um Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a divulgação dos dados. Para
direcionar as entrevistas foi utilizado um questionário semiestruturado e, para
o registro, anotações em um diário de campo ou gravações em áudio ou vídeo, de
acordo com a preferência de cada um dos entrevistados. A fim de melhor
preservar as informações, as transcrições foram realizadas logo após a tomada
das entrevistas.
Sobre
os desafios nos circos, as brigas de rua e sua relação com as lutas
Atualmente, há no meio pedagógico uma grande
preocupação em diferenciar as lutas das brigas (Carreiro, 2005; Nozaki, 2011; Chianca
et al., 2016, etc.). Tal preocupação, mais que uma questão conceitual, se
justifica pela necessidade de incentivar o conhecimento e a apreciação das
lutas pelos escolares e, ao mesmo tempo, evitar possíveis situações que
incentivem a violência.
Brigas e lutas, no entanto, eram assuntos
recorrentes e sem muita distinção nas rodas de conversa dos antigos
rio-clarenses. Além dos feitos esportivos dos primeiros lutadores, histórias
que eram contadas entusiasticamente, de boca em boca, tratavam das brigas de
rua e dos desafios que chegavam com os circos. Dois famosos personagens
relacionados a esses fatos ainda devem estar na memória de algumas pessoas:
“Chocolate” e Carlos Talarico. Já falecidos, as informações sobre eles foram
fornecidas por seus filhos, Miguel e Marcelo, respectivamente.
Carlos Talarico e filhos.
“Chocolate” era o apelido de Mario Cruz de
Oliveira, um peso-pesado bom de briga, que ficou conhecido na cidade por
aceitar e vencer um desafio feito por uma lutadora de circo, na década de 1960
ou 1970. Seu filho Gabriel conta que o dono do tal circo combinou essa luta com
seu pai, oferecendo um cachê para que ele entregasse o resultado, fato que veio
a ocorrer. Acontece que o dono do circo utilizou a “derrota” de “Chocolate”
para desmerecer os valentes da cidade, pelo que “Chocolate” pediu uma revanche
e foi a desforra com a tal lutadora circense. Entre o que realmente aconteceu
e, o uso desses desafios como uma forma de marketing (coisa ainda comum no
mundo das lutas da atualidade), o certo é que essa história ficou famosa na
cidade e era contada como um fato cômico e inusitado. É certo também que,
conforme essa história ia sendo contada, muitas versões acabaram surgindo:
havia os que acreditavam que tinha se tratado de uma luta real e que a mulher
tinha perdido por nocaute ou por ter fraturado o braço. Outros achavam que era
luta combinada ou, no jargão popular, pura “marmelada”. É importante lembrar
que, naquela época, luta não era considerada coisa para mulher. Talvez por essa
razão tenha atraído tanto a atenção do público e tenha permanecido na lembrança
das pessoas. O interesse por espetáculos desse tipo pode ser comprovado também
em uma citação de Serrano (2014b), que informa que espetáculos desse tipo
ocorriam na capital paulista, a partir do início da década de 1950: “[...]
Depois de amanhã, teremos mais um espetáculo de luta livre de mulheres, que vem
alcançando extraordinário sucesso entre nós, pela sua característica
verdadeiramente inédita (p. 18)”.
Dos circos que chegavam à cidade de Rio Claro,
havia os que apresentavam exclusivamente shows de tourada (que incluíam,
geralmente, a apresentação de uma dupla de cantores sertanejos, ao final) e, os
circos tradicionais, que apresentavam shows de variedades. As lutas, por vezes,
faziam parte desses espetáculos de variedades. Em comum entre esses dois tipos
de circo eram os desafios. No caso dos circos de touradas, era oferecido um
prêmio para quem conseguisse montar um determinado animal e, no caso dos circos
tradicionais, um prêmio era oferecido para quem conseguisse vencer uma luta
contra o seu (ou sua) campeão. Pelo entusiasmo com que os antigos descreviam
essas lutas é provável que muitos não distinguissem uma luta real de uma luta
combinada. Para os promotores dos espetáculos, logicamente, o importante era
atrair o público pagante.
A importância dos circos para a divulgação das
lutas no Brasil também é reconhecida por autores que estudam suas origens
históricas. Serrano (2014a), em sua pesquisa sobre as origens do jiu-jitsu,
informa que a primeira menção encontrada sobre esse tipo de espetáculo é do ano
de 1929. Diz que Géo Omori fazia “[...] apresentações de lutas no “Circo
Queirolos”, situado no barracão da Rua Formosa, no Vale do Anhangabaú, centro
da capital paulista (p. 2)”. Já Pedreira (2015) informa que, na cidade do Rio
de Janeiro a “[...] luta romana foi apresentada ao Brasil em um domingo, 14 de
dezembro de 1856, pelo Circo Olympico, situado na Rua da Guarda Velha (nossa
tradução – s.p.)”, e que o savate “[...] foi apresentado por volta de 1862,
como parte dos shows e competições de esgrima que aconteciam, invariavelmente,
nos mesmos circos e teatros que apresentavam a luta romana (nossa tradução –
s.p.)”. Sendo os circos empresas itinerantes, esses espetáculos chegavam, com
certo atraso, a muitas cidades do interior.
Em Rio Claro, a mesma lutadora de circo que
enfrentou “Chocolate” lutou com outros valentes da cidade, como Zoel
“Mortadela” Parente, fisiculturista que também trabalhou como professor de
musculação e segurança e, Odagyl Pessoa, professor de judô. Conta Professor
Odagyl que, embora não se lembre do nome de tal lutadora, esta se apresentava
como tia do boxeador Eder Jofre e que era da família Zumbano. Podem-se
encontrar informações e imagens na internet que dão conta que tal lutadora
tratava-se de Olga Zumbano [3].
Professor Odagyl conta que chegou a participar, juntamente com “Chocolate”, de
outras lutas em circos promovidas nas cidades da região, mas, “[...] nessas
outras vezes, contra homens”.
“Chocolate” chegou ainda a participar de
exibições de “luta livre” ou “catch-as-catch-can”
que chegavam a cidade e eram apresentadas, geralmente, no Ginásio Municipal de
Esportes. Esse tipo de espetáculo, o “tele-catch”, fazia muito sucesso na
programação das primeiras TVs brasileiras, especialmente na década de 1960.
“Chocolate” também era conhecido na cidade por
resgatar os corpos de pessoas que se afogavam. Na época em que ainda não havia
o Corpo de Bombeiros, prestava esse serviço sem a utilização de aparelhos.
Famosas ficaram também suas brigas, especialmente a que fez contra Carlos
Talarico, próximo a linha do trem, na Avenida 32. Segundo Gabriel, filho de
“Chocolate”, essa briga aconteceu por causa de uma aposta ou desentendimento
ocorrido no bar do posto daquela avenida. De Carlos Talarico, no entanto, a
maior lembrança desse autor é de seu funeral, com o velório feito em casa, como
se costumava fazer até a década de 1970. Talarico foi morto com um golpe de
faca durante uma discussão. Muito se falou na época sobre as circunstâncias
desse crime e da forma como Talarico se dirigiu ao hospital a despeito do grave
ferimento. “Chocolate” e Talarico, bons brigadores, treinaram pouca coisa de
luta e “fizeram um pouco de peso” ou “halterofilismo”, expressões que
designavam o que hoje se conhece por musculação.
Essas histórias, no entanto, eram mais
comentadas do lado da cidade em que se situam as Vilas Alemã, Martins,
Aparecida, Nova, Jardim Bandeirantes, Jardim Cervezão, entre outras. Os bairros
que ficavam do outro lado da cidade, depois da região central, como a Vila
Paulista e Boa Morte, por exemplo, tinham suas próprias histórias de brigas e
brigadores. Até a década de 1970, pelo menos, também era comum haver “brigas de
bairros”. Isso podia acontecer, simplesmente, pelo fato de uma pessoa estar
cruzando um bairro que não fosse o seu.
Sobre essa questão de bairrismo, Roberto
Bendilatti, professor de karatê, lembra que em alguns bairros era comum reunir
turmas para brigar. Por essa razão, era difícil arrumar uma namorada fora do
bairro em que se morava: “[...] Eu mesmo, quando namorava a Sibele (sua
esposa), que morava na Vila Paulista, saí correndo várias vezes de lá, porque
um pessoal queria me bater”. Menciona que essa situação só melhorou a partir do
momento em que começou a jogar bola para o time daquela vila e fez amizade com
os locais.
Waldemar Bíscaro, bracista (competidor de luta
de braço), que mora até hoje na Consolação, bairro da cidade que já foi
conhecido como “buraco quente”, confirma essa disposição dos homens de sua vila
para brigarem em turma. Lembra-se do apelido de algumas pessoas da cidade que
ele descreve como “briguentos”, como “Vadinho”, “Vandão”, entre outros.
Surpreendentemente, lembra-se de duas mulheres que brigavam junto com os homens
de seu bairro: “Maria Preta” e “Jaça”. Afirma que “[...] brigavam com os homens
e batiam em alguns”. Tal situação era realmente inusitada, dado os costumes da
época. Mulheres que se preocupavam em manter a boa reputação tinham medo até de
passar por alguns lugares da cidade e “ficarem mal faladas”. Quanto mais,
brigar?
Odagyl Pessoa, ao tratar da questão das brigas
na cidade, também menciona esses mesmos “brigadores” ou “briguentos” (era
também comum de se usar o termo “valente” para descrever essas pessoas). Diz
que muitas das pessoas que começavam a treinar lutas, antigamente, o faziam por
gostar de brigar: “[...] Os professores (de lutas) davam conselho, mas não
adiantava muito, porque o pessoal brigava assim mesmo. Eu mesmo dei muito
conselho a meus alunos”.
Ari de Mello, professor de karatê, por sua
vez, afirma que em seu tempo de adolescente havia muito mais brigas do que hoje
em dia. Atribui a diminuição das brigas na atualidade em função do uso
extensivo das armas de fogo: se antes havia certa admiração por quem brigava na
rua, o senso comum de hoje parece compreender melhor o ditado: “Quem bate
esquece, quem apanha, não”.
Sem esquecer a questão da violência, o fato
dos homens da cidade brigarem mais antigamente precisa ser compreendido pelos
costumes e pela cultura de outra época. Havia certa ingenuidade que ligava as
brigas de rua a questões de honra, valentia, masculinidade e, no caso das
brigas de bairro, de pertencimento. Tais referências deviam ser o motivo para
que as brigas de antigamente se resolverem, quase sempre, “na mão”. Poucos eram
os casos de brigas que envolviam armas de fogo e eram raras as mortes que
aconteciam por esse motivo, como afirma Valdemar Bíscaro: “[...] As pessoas que
apelavam para o uso de armas eram vistas como covardes”. Outra razão
apresentada por Valdemar Bíscaro para que as brigas fossem “mais limpas”, era o
pouco conhecimento que a maioria das pessoas tinha sobre as drogas. Pelo que se
pode observar facilmente nos noticiários policiais da atualidade, a
disseminação das armas de fogo e o uso de drogas, realmente, teve um impacto
tremendo na questão da violência. Essa situação, como pôde ser verificada pelos
depoimentos dos entrevistados, também influenciou a forma como as pessoas
entendem e diferenciam as brigas das lutas.
Em contraste com a diminuição das brigas entre
os homens na cidade, no entanto, houve um aumento das brigas entre as mulheres,
especialmente, entre escolares adolescentes. Essa é a percepção dos
entrevistados que, atualmente, trabalham na área da educação: os professores
Eduardo Dias Viana (professor de Educação Física e karateca), Priscila Matheus
Encinas (professora de Educação Física e judoca) e, Soraia Pessoa Vieira
(diretora de escola e judoca). Da própria experiência como aluno e, mais tarde,
como professor, também percebemos a diminuição das brigas entre os meninos e, o
aumento entre as meninas. Fato que comprova essa informação, além da percepção
dos entrevistados, são os inúmeros vídeos que apresentam essas brigas de meninas
compartilhadas nas redes sociais, internet e T.V. (brigas que acontecem, quase
sempre, próximas às escolas.).
Das
motivações para o treinamento das lutas
Se as brigas foram, como mencionou professor
Odagyl Pessoa, um dos motivos para que alguns dos antigos rio-clarenses
começassem a praticar uma luta, é importante estabelecer uma diferença entre
quem apanhava e quem batia nessas brigas. Pelo que se levantou nas entrevistas,
“Chocolate” e Carlos Talarico, por exemplo, pouco se dedicaram ao treino das
lutas. No caso deles, tamanho e valentia bastavam para os enfrentamentos. No
caso de “Vadinho”, do Bairro Boa Morte, ser menor em tamanho era compensado
pela valentia. Dos “brigadores” citados nas entrevistas, apenas “Vandão”, que
era motorista da Cervejaria Caracú, treinou e lutou jiu-jitsu e vale-tudo.
Para
muitas outras pessoas, no entanto, sofrer qualquer tipo de violência não tinha
a menor graça e era fonte de revolta. É o caso do professor Eduardo Dias Viana,
que relata que começou a treinar lutas por causa das brigas na escola,
especialmente, as que aconteciam nas entradas e nos intervalos das aulas. Diz
que sofreu muito com essa violência e que começou a treinar para reagir. Tem o
cuidado de informar que “[...] com o tempo, eu fui mudando”.
A revolta em sofrer tal violência nas escolas,
hoje chamada de bullying, fez (e,
ainda faz) parte da vida de muitas crianças. Antes que houvesse uma maior
preocupação educacional com essa questão, muitas crianças tiveram que engolir o
sofrimento e humilhação ou procurar uma solução que, muitas vezes, passava pelo
treino de uma luta, fosse para a autodefesa ou para a desforra. Esse tipo de
violência marcou a vida de muitos jovens de formas e intensidades diferentes,
pois ultrapassa as fronteiras da cidade, do estado e do país. Vide, por
exemplo, os inúmeros episódios do seriado “Todo mundo odeia o Chris” [4],
baseado na vida de Chris Rock, em que o personagem principal sofre constantes
abusos dentro da escola, impostos por um aluno mais forte. Outro exemplo é o
filme “Te pego lá fora” [5], que
descreve uma ameaça de briga depois da aula: até o sinal da saída, o personagem
ameaçado sofre muito com essa situação.
De nossa própria recordação, as frequentes
brigas que aconteciam depois das aulas de Educação Física, que aconteciam em
período contrário às outras disciplinas. Essas brigas eram motivadas, quase
sempre, pelo que acontecia nos jogos de “futebol”, como caneladas e
xingamentos. Um fato interessante é que, naquela época, tanto na escola como
nos bailes as brigas aconteciam, quase sempre, do lado de fora. Isso se dava pelo
respeito e pelo medo de ser excluído desses ambientes. Por outro lado, alguns
xingamentos ofendiam muito mais do que atualmente. Qualquer coisa que
afrontasse a honra da pessoa ou de sua família era digna de briga (quando não,
de morte), diferente de hoje, em que muitos termos chulos passaram a ser língua
corrente ou letra de músicas de sucesso.
Outra recordação dramática relacionada à
motivação de uma pessoa para praticar lutas vem do relato de uma moça que
sofreu uma violência indescritível, imposta por estranhos, dentro de sua
própria casa. Diz que começou a lutar porque jurou para si mesma que outro
homem nunca mais a tocaria se ela não o permitisse. Esse depoimento, feito por
uma colega de maneira informal, não poderia expor tal pessoa, mas é informação
importante para entender os motivos que levaram muitas pessoas a treinarem um
tipo de luta.
Tratando ainda da questão das motivações para
o treinamento das lutas, além da questão da violência, relatos de alguns dos
entrevistados dão conta da influência exercida pelas mídias, especialmente, o
cinema. É o caso do professor Ari de Mello, que relata que os filmes de Bruce
Lee acabaram lhe influenciando a trocar o treinamento de uma luta agarrada, o
judô, pelo treino de uma luta de “pancadas”, o karatê. Já a opção de treinar
uma luta com objetivo de conquistar vitórias esportivas, pelas medalhas e
troféus, também foi mencionada por alguns dos entrevistados, como foi o caso de
Luís Carlos Mubarack, professor de judô.
Aprender e treinar uma luta para se tornar um
profissional do ramo foi outra motivação alegada por alguns dos entrevistados,
como foi o caso de Rafael e Guilherme Mendes, professores de jiu-jitsu. Viver
das lutas, no entanto, quase sempre passou pela questão do ensino. Sendo
algumas modalidades de lutas amadoras ou semiamadoras, ganhar dinheiro nesse
meio quase sempre significou dar aulas em projetos da prefeitura, em entidades
como o SESI (Serviço Social da Indústria) e em academias. Premiações e
patrocínios, mesmo para os expoentes de algumas modalidades de lutas, podem ser
considerados fatos recentes na cidade. Poucos têm condições de viver somente
com esse tipo de remuneração, que serve mais como complemento aos ganhos que
provém do ensino e treinamento das lutas.
Referências
Carreiro, E. A. (2005). Lutas.
En Darido, S. C. y Rangel, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para
a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Chianca, A. G. L., Costa, L. R. F, Morgan, D. A. R. y Camara, H. C.
(2016). Lutas na Educação Física escolar. Redfoco.
Vol. 3, n. 1. Recuperado el 07 de septiembre de 2016 de:
file:///C:/Users/cce%20user/Downloads/1810-4847-1-PB.pdf
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. org. Recuperado el 13
de diciembre de 2015 de: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354390
&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas
Nozaki, J. (2011). O lugar da luta nas aulas de Educação Física. Nova Escola, 239. Recuperado el 07 de
septiembre de 2016 de: http://revistaescola.abril.com.br/educacaofisica/pratica-pedagogica/lugar-luta-aulas-educacao-fisica-equilibrio-forca-briga-617887.shtml
Pedreira, R. (2015). Choque: the untold story of jiu-jitsu in
Brazil - 1856-1949 – Volume 1. (2ª ed.). GTR.
Serrano, M. (2014a). O livro
proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v.
1.
Serrano, M. (2014b). O livro
proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v.
3.
[1] Lutas e artes marciais são termos utilizados
nessa pesquisa para designar, da mesma maneira, combates corporais.
[2] Fernando Paulo Rosa de Freitas é faixa-preta
de karatê e já competiu em outras modalidades de luta como judô, jiu-jitsu e
boxe.
[3] Site com informações sobre Olga Zumbano:
<http://www.vice.com/pt_br/read/combate-coracao-v2n2)>. Acesso em: 12
set. 2016.
[4] Do original “Everybody Hates Chris”, este seriado americano se baseia na
história pessoal de Chris Rock. Das situações de bullying que ocorrem na escola, os abusos mais recorrentes sofridos
pelo personagem principal são impostos por Joey Caruso, o valentão da escola.
[5] O título original desse filme é “Three O'Clock High”, uma produção de
1987, do estúdio Universal Pictures e direção de Phil Joanou.
Histórias
das lutas na cidade de Rio Claro (2): as primeiras modalidades e o antigo
estilo de ensino e de treino
Histories of the fights in the city of Rio
Claro (2): the earliest modalities and the old style of teaching and training
Fernando Paulo Rosa de Freitas (Mestre em
Ciências da Motricidade Humana – UNESP – Rio Claro. Professor de Educação
Física da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. E-mail:
fer_edfis@hotmail.com).
Resumo:
Esta é a segunda parte de um artigo que trata do processo histórico das lutas
ocorrido na cidade de Rio Claro, estado de São Paulo, Brasil. As informações
contidas nesse trabalho são resultado de pesquisa bibliográfica e entrevistas
com pessoas que têm ou que tiveram relação com as lutas e artes marciais
durante suas vidas. Tem como objetivo preservar e divulgar essas informações de
maneira geral e, em especial, subsidiar o ensino das lutas nas escolas.
Palavras-chave:
Lutas; História; Cidade de Rio Claro.
Abstract: This is the second part of an article that discusses
the historical process of the fights occurred in the city of Rio Claro, São
Paulo, Brazil. The information contained in this work is the outcome of
bibliographic research and interviews with people who have or who have had
relationship with the fights and martial arts during their lives. It aims to
preserve and disseminate this information in general and, in particular,
support the teaching of fights in schools.
Keywords: Fights; History; Rio Claro City.
Resumen: Esta
es la segunda parte de un artículo que analiza el proceso histórico de las
luchas que tuvieron lugar en la ciudad de Río Claro, Sao Paulo, Brasil. La
información contenida en este trabajo es el resultado de investigación
bibliográfica y entrevistas con personas que tienen o que han tenido relación
con las luchas y artes marciales durante sus vidas. Su objetivo es preservar y
difundir esta información en general y, en particular, apoyar la enseñanza de
las luchas en las escuelas.
Palabras
clave: Luchas; Historia; Ciudad de Río Claro.
As
primeiras academias e modalidades de lutas na cidade de Rio Claro
Ao questionar os participantes dessa pesquisa
sobre quem foram os lutadores pioneiros da cidade de Rio Claro, João Gonçalves
Filho e os irmãos Mubarack foram os mais lembrados.
De acordo com Luiz Carlos Mubarack, sua
família se mudou de Mirassol para Rio Claro quando ele tinha apenas dois anos
de idade. Seu pai veio para trabalhar como motorista na firma dos Saad, do ramo
da tecelagem. Como seu pai faleceu muito cedo, seu irmão mais velho, Uadi,
ajudou a cuidar dos irmãos mais novos: Paulo, Luiz, José e Neusa. Foi ele
também que os introduziu no mundo das lutas: “[...] O Uadi começou com os “halteres”.
Foi campeão paulista de levantamento de peso, no tempo do João Gil, que foi
campeão sul-americano. A primeira academia de halteres de Rio Claro foi do João
Gil, que era guarda rodoviário, e foi montada em sua própria casa. Depois dele,
o Uadi montou uma academia, já de luta, e também foi dar aula no Grêmio
Recreativo dos Ferroviários, onde só dava aula para os associados. Ficou muitos
anos lá. Começou com o jiu-jitsu, que ainda era sem tempo e só se vencia por
desistência. Depois, com o judô”.
Uadi Mubarack, por sua vez, havia aprendido
jiu-jitsu com João Gonçalves Filho, conhecido popularmente na cidade como
“Peixinho”. João Gonçalves Filho era nadador, jogador de polo-aquático e
faixa-preta de jiu-jitsu e judô. Foi ele quem trouxe essas modalidades de luta
para Rio Claro. Junto com o professor Uadi Mubarack, João Gonçalves Filho
fundou a Associação Gonçalves-Mubarack de Judô, a primeira academia de lutas da
cidade. Dos irmãos Mubarack, Uadi foi o único que competiu nas regras do antigo
jiu-jitsu. Seus irmãos (que ainda eram pequenos) começaram a competir somente
depois que a academia passou pelo processo de transição do jiu-jitsu para o
judô. Professor Luiz Carlos Mubarack relata que o judô era mais viável de ser
ensinado para as crianças do que o jiu-jitsu da época, e que esta transição
ocorreu quando ele tinha por volta de quinze anos de idade (final da década de
1950). Essa transição do jiu-jitsu para o judô, na época, representou a troca
de uma modalidade com acentuadas características marciais por outra mais
esportiva e educacional. Por essa época, o jiu-jitsu que havia sido a primeira
modalidade de luta em muitas cidades, quase que desapareceu das academias do
interior paulista. Essa mudança já havia ocorrido no Japão entre o final do
século XIX e início do século XX, segundo informa DiMarzio (2014):
“[...] mesmo que muitas escolas de jiu-jitsu tenham sido fechadas a
partir do momento em que Kano fundou o judô, ainda havia algumas funcionando.
No entanto, estas entraram em declínio, ao passo que, as de judô, dispararam em
popularidade não apenas no Japão, mas, mais tarde, no exterior (nossa tradução
– s.p.)”.
No Brasil essa situação perdurou até que os
desafios de “vale-tudo” da década de 1990 demonstrassem, mais uma vez, a
eficiência do jiu-jitsu em lutas desse tipo. Sobre essa fase, Serrano (2014a) diz
que [...] o jiu-jitsu saiu da “calmaria” e entrou novamente em “ebulição”,
repetindo-se a “fase áurea do Jiu-Jitsu de 1932, quando se impôs sobre todos os
sistemas de luta (p. 5 e 6)”. Para se firmar como esporte, no entanto, até
mesmo o jiu-jitsu passou por um processo de esportivização, com a adoção de
regras de tempo, pontuação, entre outras.
Falar de João Gonçalves Filho e dos irmãos
Mubarack, no entanto, mereceria um artigo a parte, dado a importância que representaram
para a divulgação e desenvolvimento do jiu-jitsu e do judô na cidade de Rio Claro,
no estado de São Paulo e no Brasil. A despeito de João Gonçalves Filho ter
participado como atleta das modalidades da natação e do polo-aquático em cinco
edições dos Jogos Olímpicos, atuou também como professor e técnico de judô de
medalhistas olímpicos do Brasil em outras duas edições. Suas conquistas esportivas
ainda podem ser rememoradas nos arquivos do Centro Pró-Memória Hans Nobiling,
do Esporte Clube Pinheiros, onde atuou como atleta e professor de diferentes
modalidades esportivas.
Figura 1: João
Gonçalves Filho, responsável pela introdução do jiu-jitsu/judô na cidade de Rio
Claro.
João Gonçalves Filho havia aprendido o
jiu-jitsu com Carlos Gracie. Com esse conhecimento técnico e um condicionamento
físico excepcional, além das competições esportivas de que participava,
costumava lançar desafios de luta em portas de fábricas para ganhar algum
dinheiro extra. Como técnico de judô, João Gonçalves Filho treinou medalhistas
brasileiros em Jogos Olímpicos como Douglas Vieira, Aurélio Miguel e Leandro
Guilheiro. Com larga e diversificada experiência esportiva, com formação em
Direito e Educação Física, João Gonçalves Filho integrou a comissão técnica da
Seleção Brasileira de Judô, onde incentivou o treinamento com pesos.
Incentivava seus atletas a treinarem até a exaustão, afirmando que “treinamento
é sofrimento” (Kaiser, 2010).
Os irmãos Mubarack, por sua vez, permaneceram
atuando na cidade de Rio Claro e nas cidades vizinhas, onde formaram gerações
de lutadores. Também formaram equipes muito fortes de judô, destacando-se
primeiramente na região (antes de se filiarem a Federação Paulista de Judô),
depois no Estado de São Paulo e, finalmente, no Brasil. Integravam essas
primeiras equipes de judô de Rio Claro os irmãos Mubarack (José, Uadi, Paulo e
Luís) mais um ou dois lutadores de fora, como Claudio Salvador Munno, da cidade
São Carlos, também conhecido pelos apelidos de “Claudião” ou “Robô”.
Figura 2: Equipe de
judô de Rio Claro (da esquerda para a direita: José Mubarack, Claudio Salvador
Munno, Uadi Mubarack, Paulo Mubarack e Luiz Mubarack).
Além do pioneirismo nas modalidades do
jiu-jitsu e do judô, a academia “Gonçalves-Mubarack” abriu espaço para outra
modalidade que quase não existia no interior paulista: o karatê. Luiz Carlos
Mubarack conta que “[...] nos anos 1970, essa era uma modalidade que quase não
se via por aqui, então, trouxemos um aluno de Agronomia de Piracicaba,
faixa-preta de karatê, para dar aulas na academia que tínhamos aberto naquela
cidade e, também, em Rio Claro. Terças e quintas era karatê e, segundas,
quartas e sextas, judô. Então o karatê começou assim, porque, antes, só era
treinado em São Paulo (capital)”.
Ari de Mello, que era aluno de judô na
Associação Gonçalves-Mubarack nos anos 1970, relembra desse fato afirmando ter
solicitado ao professor Uadi Mubarack para que trouxesse um professor de
Kung-Fú para a academia. Influenciado pelos filmes de Bruce Lee, desejava
experimentar outro tipo de luta. Trouxeram, então, o professor de karatê de
Piracicaba, Seijun Kanashiro, faixa-preta de 3º grau, estilo Shorin-Ryu. Ficaram quatro anos com esse professor.
Seijun Kanashiro, depois de se formar na universidade, deixou de vir para Rio
Claro, pelo que professor Ari de Melo trouxe outro instrutor de karatê para dar
continuidade aos treinamentos, o professor Milton Lopes Balestero, da cidade de
Jaú. Ari de Mello, que na época era representante comercial de uma indústria de
bebidas, afirma que: “[...] levava meu quimono no carro e, em qualquer cidade
onde houvesse uma academia, parava para treinar”. Em uma dessas viagens
conheceu o professor Milton Lopes Balestero, que era de outro estilo de karatê,
o Shotokan. A partir desse contato, conseguiu que esse professor viesse, uma
vez por semana, dar aula na academia do professor Uadi. Nas outras duas aulas
da semana, em que esse professor não estava presente, ele ou outro aluno mais
graduado repetia o que haviam aprendido na aula daquele professor. A partir do
professor Milton Lopes Balestero, Ari de Melo entrou em contato com Juichi
Sagara, da capital, que foi seu sensei
(ou professor, mestre) até o final de sua vida.
Figura 3: Alunos de
karatê posam na arquibancada da Associação Gonçalves-Mubarack de Judô, no
início da década de 1970. Ao centro, de blusa escura, Milton Lopes Balestero. À
sua direita, Juichi Sagara. À sua esquerda Ari da Silva Mello Filho. À sua
frente, Antônio Roberto Bendilatti.
Desse primeiro grupo de praticantes de karatê
em Rio Claro também fez parte Antônio Roberto Bendilatti, popular “Shú”, que
começou treinando judô e chegou a jogar futebol profissional pelo Rio Claro
Futebol Clube. Professor Bendilatti lembra que: “[...] Nessa época, além dos
treinos na Associação Gonçalves-Mubarack, junto com um grupo de amigos,
alugamos um salão na Rua 6 com Avenida 20 para treinar karatê, capoeira... mas
ninguém sabia nada. Então virava uma pancadaria. Compramos um encerado e
fizemos um tatame de dois centímetros que era duro como o chão. Não tinha
equipamento nenhum, nem água para beber. O Jaime Polido [1] participou disso e, como era
o mais velho, era ele quem botava ordem. Alugamos o salão só para brigar entre
a gente. Ninguém de fora participava”.
Depois que o professor Milton Lopes Balestero
deixou de dar aulas na Associação Gonçalves-Mubarack, Ari de Mello montou sua
própria academia, a Associação Rioclarense de Karatê. Professor Roberto
Bendilatti assumiu, então, as aulas de karatê na Associação Gonçalves-Mubarack,
até montar sua própria academia, atualmente, Shú Academia.
As
dificuldades dos pioneiros e as diferentes linhas de ensino dos antigos mestres
Para tratar das dificuldades para se treinar
uma luta na cidade em décadas passadas e, também, sobre os estilos de ensino de
alguns dos antigos mestres, importantes informações apareceram nos relatos do
professor Antônio Roberto Bendilatti. Ele lembra que, quando começou a dar
aulas de karatê na Associação Gonçalves-Mubarack era recém-casado, e ainda
trabalhava com caminhão: “[...] Fazia entregas de bebidas durante o dia e dava
aulas de karatê à noite”. Com o afastamento de seus primeiros professores
passou a treinar com o sensei Yashiki
Mishima, de Campinas, ainda como faixa-marrom. Toda a sexta-feira viajava para
aquela cidade para participar dos treinos da noite e do dia seguinte. Às vezes
ia de trem, às vezes de carona. Para voltar para casa, relata que chegou a
entrar em um trem sem dinheiro para pagar a passagem, e teve que descer em
Americana porque um guarda o apanhou. Relata ainda o duro método dos antigos senseis e a maneira como os alunos
obedeciam a suas ordens sem questionamento: “[...] Certa vez o professor
Mishima me avisou que eu ia fazer uma demonstração de quebra de tábuas e eu nunca
tinha feito aquilo. No intervalo de um jogo de basquete em um ginásio de
Campinas, com grande público, eu tive que quebrar uma tábua com um chute. Não
consegui no primeiro golpe e, no segundo, já quase sem conseguir encostar o pé
no chão, acabei quebrando a tábua”. Relata ainda que “[...] a disciplina era
rígida e, o respeito pelo professor, nem se fala! Quando o professor ia dar
aula, você já tinha que estar esperando no dojô.
Se o professor já tivesse feito o cumprimento inicial e você não estivesse no
tatame, não participava mais da aula”.
Sobre o perfil dos alunos de karatê daquela
época professor Bendilatti afirma que eram todos amigos, mas, quando iam lutar,
entravam para bater. Acredita que o treino era mais “sério” ou “forte”.
Considera que o perfil dos alunos que procuravam uma academia de karatê para
treinar naquela época era diferente. “[...] Eu mesmo, entrei na academia para
aprender a me defender, para não apanhar na rua, vamos dizer assim, para
brigar. Hoje ninguém entra para brigar, mas para interagir com as pessoas, para
a saúde, para a coordenação motora... Às vezes um médico também indica o
treinamento por causa de um problema, para ter uma disciplina, para ajudar na
educação, em particular, das crianças”.
No início da década de 1980, professor
Bendilatti resolveu se dedicar ao ensino da karatê, deixando de trabalhar com o
caminhão. Relata as dificuldades desse período e a nova troca de professor.
Passou a treinar com sensei Takashi
Shimo, de Ribeirão Preto. Começou também a dar aulas em São Carlos, na academia
do “Robô”. Lembra-se dos desafios que aconteciam nessa época e da forma como
encarava tais situações: “[...] Certa vez apareceu um rapaz do Rio de Janeiro
na academia de São Carlos e perguntou se poderia lutar com o professor. A resposta
foi: Pode. Vamos lutar já! Naquela época a gente achava que tinha que ser
homem, tinha que provar alguma coisa. O professor colocava na cabeça da gente
que você não podia ter medo de nada e, a gente acabava não tendo medo. Tanto é
que se o Takashi mandasse a gente pular daqui para baixo (se referindo a janela
do prédio onde cedeu a entrevista), era capaz que a gente pulasse mesmo, pois
era uma obediência muito cega ao professor”.
A maneira como o professor Bendilatti descreve
o antigo entendimento da prática da arte marcial pode oferecer uma boa
ilustração das influências que cada professor, com suas diferentes atitudes e
estilos de ensino, deixou para cada um de seus alunos: “[...] quando aquele
carioca foi me desafiar, eu já não tinha medo de apanhar, porque, o que eu
apanhei do Takashi uma vez... Nossa!”. Até para começar a treinar com o sensei Takashi Shimo foi uma dificuldade
para o professor Roberto Bendilatti, pois, inicialmente, este não o queria
aceitar como aluno. Talvez como uma forma de testar sua determinação em treinar
em seu dojô, professor Takashi chegou
a lhe negar a participação em suas aulas por duas vezes. Sem dinheiro para
tantas viagens, na terceira vez que professor Roberto Bendilatti voltou à
academia do sensei Takashi, que
ficava em Ribeirão Preto, não aceitou nova resposta negativa e disse que, se
não o aceitasse como aluno, iria ficar sentado em sua porta até que o
permitisse treinar: “[...] Não sei se ele gostou do que eu disse e, então, me
deixou treinar. Colocou todos da academia para baterem em mim. Não foi bem uma
luta, mas me colocaram na parede para servir de alvo para as entradas de kizami (tipo de soco que corresponde ao jab do boxe). Todos batiam e, batiam
forte. Tanto no estomago como no rosto. A ordem do Takashi era bater mesmo. Eu
segurava os meus golpes, pois era novo ali. Fazia uma entrada no Takashi e
segurava o golpe a certa distância, enquanto ele acertava todas. Tanto é que eu
fiquei com a boca toda marcada por dentro, toda preta”. Esse tipo de
treinamento, por mais duro e incompreensível que possa parecer na atualidade,
era comum tanto no karatê como em outros tipos de lutas, como podemos verificar
no relato do professor de boxe José Roberto da Oliveira: “[...] os caras nem
tinham estreado como lutadores e já tinham a cara toda quadrada de tanto levar
bordoada, [...] era do jeito que eles (os técnicos) tinham aprendido: era briga
mesmo, era pauleira (Freitas y Matthiesen, 2016)”.
No
karatê, esse tipo de treino violento correspondia ao seu aspecto marcial: mais que
alunos que pagassem mensalidades, alguns
senseis só aceitavam alunos que seguissem seu perfil, obedecessem a
disciplina e hierarquia e, sobretudo, que tivessem coragem e muita vontade para
treinar. Essa regra, logicamente, não se aplicava as crianças e iniciantes. Por
outro lado, alunos já graduados e provenientes de outras academias ou
modalidades de luta, normalmente, passavam por esse batismo de fogo, por
diferentes razões: a desconfiança de quem vinha de fora, a rivalidade com
outras academias e, especialmente, para deixar bem claro a questão da hierarquia.
Para ser um professor de karatê, então, não era admissível que uma pessoa não
tivesse ao menos essas qualidades. Na outra ponta, a razão para que o Professor
Roberto Bendilatti tenha procurado treinar com sensei Takashi Shimo foi a admiração que passou a ter por sua
técnica, após vê-lo lutar em um campeonato.
Figura 4: Senseis Takashi Shimo e Antonio Roberto
Bendilatti (faixas-pretas ao centro).
Sensei Takashi Shimo foi, realmente, um dos grandes
expoentes do karatê brasileiro. Sua maneira de treinar e ensinar o karatê, no
entanto, se aproximava muito mais das origens marciais japonesas do que de seu
aspecto esportivo. Professor Roberto Bendilatti lembra que, “[...] logo depois
que sensei Takashi me aceitou como
aluno, recebi uma ligação dele dizendo que haveria um treino em uma
terça-feira, às nove horas da manhã. Cheguei lá na academia e perguntei se os
outros alunos estavam atrasados. Não, ele respondeu. Vamos treinar só nós dois.
Fiquei feliz da vida e pensei assim: hoje vou aprender muito karatê, uma aula
particular, praticamente. Então ele fechou a porta e começamos a treinar.
Aquecemos rápido e fomos treinar para uma competição, que ambos iriamos
participar. Aí ele bateu, mas bateu muito mesmo. Cheguei na rodoviária e tive
que segurar as mandíbulas para tomar um suco, de tanto que doía. Cheguei em
casa muito mal. Olhava para o chão e parecia que o rosto ia cair. Depois desse
treino ele ainda avisou que, na quinta teria treino de novo e... acabei voltando”.
Analisando esse relato, podemos também avaliar
o perfil das pessoas que se dispunham a passar por tais situações. Era o tipo
de aluno buscava o desafio, a dificuldade e, especialmente, a superação. Coisa
fácil não era bem vista. Roberto Bendilatti afirma que “[...] o gostoso disso
aí era que a gente não pensava muito se ia bater ou apanhar. Era como um
desafio assim: eu tomei um golpe e eu não caí. Parece que era mais gostoso esse
sentimento de... eu não tive medo... de não entregar”. Esse tipo de atitude
tinha até seus próprios bordões, como: “um homem tem que morrer para frente”.
Exemplos de como essas práticas forjavam as atitudes dos lutadores foram as
competições vencidas pelo professor Bendilatti de maneira dramática: “[...] Nos Jogos Regionais de de 1986, em
Piracicaba, venci o torneio de lutas na categoria e no absoluto, fazendo a
final com o braço quebrado. Outra vez, levei um golpe na boca que me arrancou o
dente da frente. Segurei o dente na boca e voltei para a luta para fazer o
mesmo com o adversário. Somente quando o árbitro veio me advertir foi que cuspi
o dente no chão para mostrar a razão da minha atitude”.
Esse aspecto marcial, remanescente nas lutas
que passavam pelo processo de esportivização, sempre foi motivo de
controvérsias e acidentes: seria a arte marcial karatê mais arte (controle,
esportividade), ou, mais marcial (budô)?
Na verdade, o karatê passava pela transição de seu aspecto predominantemente
marcial para o esportivo. Essa transição, no entanto, era (e por vezes, ainda
é) vista de formas diferentes pelos seus professores: para alguns representava
um avanço, enquanto, para outros, a perda da essência. A partir desses
diferentes entendimentos, cada professor e, por consequência, alunos dava maior
ou menor ênfase a um desses aspectos em seus treinamentos. Por essa mesma
situação passaram outras artes marciais, como foi o caso da transição do
jiu-jitsu para o judô, fato aqui já mencionado e também retratado no primeiro
filme de Akira Kurosawa: “A Saga do Judô”.
Em um trabalho de Drigo (1998), em que professor
Uadi Mubarack foi entrevistado, pode-se perceber a dificuldade que muitos dos
antigos tinham para entender o que era uma luta esportiva, pela seguinte
afirmação: “[...] No início ninguém entendia o que era judô. Achavam que era um
esporte que um arrebentava o outro (p.31)”. Professor Uadi descreve ainda a
evolução do jiu-jitsu e do judô:
[...] Antigamente era defesa pessoal, depois foi formando campeonato.
Antes não havia peso, então, foi colocado peso. Virou um esporte. A mudança
para um esporte foi uma mudança positiva, os judocas treinam para conquistar
títulos, para melhorar a saúde, para sua própria defesa. Em tudo na vida o
homem quer ser vencedor, mas também tem que ser um vencedor com respeito.
Passar o judô para o esporte foi um benefício (p.32).
Voltando ao karatê, além dessa compreensão bipolar sobre a identidade da
modalidade, outros fatores colaboravam para que houvesse acidentes em suas
lutas de semi-contato: a falta de regras que incluíssem protetores de mão
(adotados a partir de meados da década de 1980); a falta de habilidade de
alguns lutadores para segurar o golpe, ou; lutadores que gostavam de bater um
pouco mais forte, a despeito da possibilidade de serem desclassificados. A
tática também não ajudava: a maioria das lutas ainda tinha como característica
poucos deslocamentos e, os recuos representavam um recurso de defesa utilizado
por pessoas de menor coragem. Quando o juiz dava o início de uma luta, então,
partia “um de lá e um de cá” e, ganhava o ponto quem chegasse primeiro. Era
preciso coragem para entrar junto (deai)
nesses choques de velocidade, sem qualquer tipo de proteção nas mãos.
Identificar a intenção de um lutador ou sua habilidade de controlar um golpe,
no entanto, era algo muito difícil. O negócio era “ficar esperto” e se adaptar
no transcorrer da luta.
Mesmo com a esportivização do karatê, a
formação do espirito combativo continuou a ser incentivada por muitos senseis e desenvolvida por meio de
rígidos treinamentos, muito próximos de um combate real. Esse sofrimento
durante os treinos visava facilitar as coisas na hora das lutas, um conceito
muito próximo a formação militar. Para a grande maioria dos lutadores, no entanto,
os treinos eram (e ainda são) apenas uma parte do sofrimento: andar muito de
carona, viajar para campeonatos com pouco ou sem nenhum dinheiro, dormir em
qualquer lugar, ficar distante da família... Muitos dos pioneiros das artes
marciais da cidade tiveram que andar bastante e pagar um alto preço para,
simplesmente, aprenderem sua arte.
Tratando ainda dos estilos de ensino dos
antigos professores, Ari de Mello destaca a maneira como Juichi Sagara, seu
último sensei, entendia e ensinava o
karatê. Relata que sua postura mais maleável, além de preparar o aluno para o
combate, também os preparava para o convívio pacífico em sociedade. Incentivava
também o intercâmbio e permitia que seus alunos treinassem com outros mestres,
coisa difícil de acontecer até mesmo nos dias atuais. Sobre essa questão descrevia
o seguinte ditado: “[...] Sapo de lagoa desconhece o oceano”.
Sensei Juichi Sagara, como relata Ari de Mello,
desenvolveu o que chamou de karatê tridimensional: espirito, mente e corpo
(físico): “[...] O espirito manda, a mente obedece e o corpo acompanha, sempre
seguindo essa ordem”. Outros aspectos dessa filosofia tridimensional também
eram observados em sua metodologia de ensino do karatê: “[...] Kihon (exercícios de base), kata (formas coreografadas de lutas) e kumite (luta real). Se você não fizer
bem o kihon, não faz bem o kata. Se não fizer bem o kata, não faz bem o kumite”. Fazendo uma transposição para outros aspectos de sua vida,
Ari de Mello observa outras facetas da tridimensionalidade: “[...] tudo na vida
é tridimensional, se você analisar. Família: pai, mãe e filho. A santíssima
Trindade... Se faltar um desses elementos, não há equilíbrio”.
A despeito das influências deixadas pelos
antigos mestres e pelos diferentes métodos de treinamento e de ensino, foi
interessante notar o aprendizado individual alcançado por cada um desses
professores, advindos também de suas experiências de vida e dos rumos que
tomaram após o falecimento de seus respectivos senseis.
Sensei Takashi Shimo faleceu no ano de 1995, vítima
de câncer. Em fato presenciado por essa autoria, durante uma competição realizada
na cidade de Leme, sensei Takashi
Shimo, já em fase adiantada da doença que o vitimou, fez uma homenagem
emocionante a professor Antônio Roberto Bendilatti, lhe entregando sua própria faixa.
Entre tantos alunos que alcançaram destaque no karate, era como se professor
Bendilatti fosse o mais próximo.
Sensei Juichi Sagara, por sua vez, faleceu no ano de
2001. Era irmão de Antonio Inoki, lutador de karatê e wrestling, que ficou famoso por lutar com o campeão mundial de boxe
Muhammad Ali, no ano de 1976. Tinham sobrenomes diferentes, pois, sensei Juichi Sagara havia herdado o
sobrenome de sua mãe a fim de dar continuidade ao nome de sua família, já que
esta não teve irmãos homens. Por obra do destino, sensei Sagara também não deixou filhos.
Professor Roberto Bendilatti relata que, após
a morte de sensei Takashi Shimo,
manteve um sistema rígido de ensino por algum tempo, mas, aos poucos, foi se
tornando mais flexível. Isso ocorreu por influência de algumas aulas que
começou a acompanhar na Universidade Estadual Paulista, a UNESP, de Rio Claro
(onde realiza estudos de biomecânica, tempo de reação, entre outros, junto ao
Prof. Dr. Mauro Gonçalves), pela aproximação com a palavra de Deus e, também,
pelas mudanças da própria sociedade: “[...] Ainda hoje, às vezes, sou um
pouquinho duro com os alunos. Chego a não dormir, às vezes, pensando naquele
aluno que dei bronca, desejando que logo chegue a outra aula para que eu possa
conversar melhor com ele. Mas é que levo o karatê a sério, ajudo e cobro das
crianças a questão da escola, da importância de manter a atenção. Falo sobre a
questão das drogas. A minha aula também é educativa e minha intenção é cobrar a
máxima capacidade de cada aluno”.
Professor Ari de Mello, por sua vez, descreve
(de maneira emocionada) uma experiência ocorrida quando dava aulas de karatê
nas escolas municipais de Rio Claro. Diz como lidou, certa vez, com um aluno
problema: “[...] Uma vez, a diretora de uma das escolas em que eu dava aula
chegou para mim e disse que um dos meus alunos tinha mordido uma professora.
Pedi então para que ela tocasse nas costas do garoto para eu saber quem era,
sem que o identificasse publicamente. A partir daí, trouxe esse garoto para
perto de mim como uma espécie de ajudante. Uma vez esse aluno me chamou e disse
que seu pai havia sido preso por ter esfaqueado outro homem. Acabei entendendo
a influência da família em seu comportamento. No dia da formatura da turma,
esse era o aluno que mais havia se desenvolvido”.
Tanto professor Ari de Mello quanto os
professor Antônio Roberto Bendilatti relatam as contribuições que deram para a
formação de seus alunos, tendo afastado alguns dos vícios, da violência, além
de ajudá-los em muitos problemas pessoais. Ainda assim, nem mesmo eles
conseguiram escapar de problemas como a violência. Professor Ari de Mello,
certa vez, foi assaltado em sua casa e teve de reagir, o que resultou na morte
de dois assaltantes. Professor Roberto Bendilatti, por sua vez, foi vítima de
um acidente, ocasionado por um assaltante que estava em fuga em uma moto. Esse
acidente, ocorrido no final do ano de 2012, o deixou acamado por seis meses.
Afirma que aprendeu muito com essa situação, pois, de volta ao trabalho, ainda
de muletas, teve “[...] que aprender a dar aulas sem poder demonstrar”.
A despeito de todas essas lutas ambos
construíram suas vidas a partir do ensino do karatê, mesmo que tenham se
dedicado a outras atividades profissionais. Mencionam também as muitas alegrias
e amizades que o karatê lhes trouxe.
Sobre os estilos de ensino das novas gerações
de professores de lutas e artes marciais, seria interessante analisar, além das
influências dos antigos mestres, a realidade do “mercado” atual e o aprendizado
adquirido por meio da formação formal e informal.
Das irmãs Pessoa que se tornaram faixas-pretas
de judô, por exemplo, Soraia, que agora atua na área da educação, relata a
maneira exigente como seu pai as ensinou nessa modalidade, tanto no aspecto
técnico como no disciplinar. Acredita que essas cobranças ajudaram a moldar uma
personalidade forte, determinada e com gosto pelo desafio. Analisa que essas
características foram transferidas para seu trabalho. Confirmam essas
informações o relato de sua irmã Simone, que deu continuidade ao ensino do judô
e do jiu-jitsu na academia da família. Diz que: “[...] Sigo a metodologia do
meu pai, do ensino passo a passo, do cuidado com a parte técnica, para que não
se criem vícios”. Da mesma maneira, cobra a disciplina dos seus alunos: “[...]
Das crianças exijo boletim com boas notas, instruo para tenham uma alimentação
saudável. Depois das férias pergunto que livros leram, se brincaram bastante e,
se fizeram uma boa ação. Peço para falarem”. Relata ainda que o cuidado com o
aspecto disciplinar e educativo no ensino de uma arte marcial é uma das
expectativas dos pais que encaminham os filhos pare treinarem em sua academia.
Observa, porém, que apesar de seguir uma didática tradicional, foi necessário
ser tornar mais flexível com a disciplina, pois as crianças mudaram. “[...] As
crianças de hoje têm menos vontade e disciplina, além da concorrência com
outros interesses, como os jogos eletrônicos e a internet”. Atenta a parte
ética e disciplinar, diz que não dá faixa para quem não merece e, merecer, não
significa ter apenas o conhecimento técnico, mas uma boa atitude. Também não
abre mão da disciplina em troca pelo lucro. Citando outros aspectos de sua
maneira de ensinar, Simone Pessoa relata que busca a autonomia de seus alunos,
pelo que os coloca, por vezes, para puxar partes do treino. A fim de ensinar a
humildade e, com os devidos cuidados e orientação, coloca alunos com tamanho
físico e níveis técnicos diferentes para treinarem juntos. Sua preocupação com
o aspecto educacional e social, no entanto, vai além do ensino de seus alunos:
oferece bolsas a alunos carentes, estende suas aulas a projetos sociais de duas
igrejas e realiza um trabalho junto às polícias para tentar melhorar a
abordagem e a autoconfiança desses profissionais.
Outro relato muito interessante sobre a
maneira como alguns professores aliam o treinamento das lutas com questões
educacionais provém dos irmãos Leonardo e Breno Macedo, lutadores e técnicos de
boxe. Ainda muito jovens, mas, com extensa bagagem na formação de jovens lutadores,
trazem para suas aulas as influências de sua formação universitária: “[...]
toda a sexta-feira trazemos um texto para discutir com os alunos, sobre
negritude, política, história...” Observam que os estudos os têm ajudado no
trabalho como técnicos e professores.
Referências
DiMarzio, D. (2014). Jujutsu in Japan to Brazilian jiu-jitsu in
America. Winds of Japan Shop.
Drigo, A. J. (1998). Reflexões
sobre a história do judô no Brasil: a contribuição dos senseis Uadi Mubarack
(8º Dan) e Luis Tambucci (9º Dan). (Trabalho de Conclusão de Curso).
Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual Paulista. Rio Claro.
Freitas, F. P. R., y Matthiesen, S. Q. Os filhos do seu Zé Roberto:
memórias do boxe. EFdeportes.
Recuperado el 07 de septiembre de 2016 de:
http://www.efdeportes.com/efd190/seu-ze-roberto-memorias-do-boxe.htm
Kaiser, M. (2010) O herói oculto. Trip,
194. Recuperado el 26 de julio de 2015 de:
http://revistatrip.uol.com.br/revista/194/reportagens/o-heroi-oculto.html
Serrano, M. (2014a). O livro
proibido do jiu-jitsu: A história que os Gracie não contaram. (2ª ed.) v.
1.
[1] Jaime Polido, faixa-preta 6º
grau de judô, foi professor dessa modalidade na academia do CSU João Rehder
Neto, em Rio Claro. Dentre os entrevistados, professor Jaime foi o mais idoso.
Seus relatos confirmam as histórias dos circos, dos personagens aqui
mencionados e das antigas brigas. Relata ainda a existência de um grupo de
ferroviários da antiga Companhia Paulista que treinava e brigava com bastões.
Assinar:
Postagens (Atom)